Título: Atrás das grades, e dentro da sua casa
Autor: Motta, Cláudio ; Martins, Marco Antônio
Fonte: O Globo, 30/08/2008, O País, p. 3

PF prende candidata a vereadora e mais 12 acusados de participar de milícias e coagir eleitores

Cláudio Motta, Marco Antônio Martins* e Jorge Martins

Na ação mais contundente contra o poder eleitoral das milícias no Rio até o momento, a Polícia Federal desencadeou ontem a Operação Voto Livre, que mobilizou 230 agentes e prendeu 13 pessoas, incluindo a candidata a vereadora Carminha Jerominho (PTdoB). Ela é acusada de se beneficiar de um esquema de coação a eleitores em Campo Grande, imposto pela milícia que se autodenomina Liga da Justiça. Filha do vereador Jerominho (PMDB) e sobrinha do deputado estadual Natalino Guimarães (sem partido) - também presos por envolvimento com milícias -, ela foi levada para um presídio de segurança máxima no Paraná. Ainda assim, mesmo isolada numa solitária pelo risco que oferece à sociedade, continuará candidata, pedindo votos no horário eleitoral na TV, beneficiada pela legislação.

Carminha cumprirá o RDD, sem visitas

À noite, Carminha e mais dez presos foram transferidos para a prisão federal de segurança máxima em Catanduvas, no Paraná, num avião da PF. Ela ficará em regime disciplinar diferenciado (RDD), no qual o preso só tem direito a duas horas para banho de sol, não pode receber visitas nem ter acesso a jornais e revistas na cela, que é individual. O grupo responderá por formação de quadrilha armada, tentativa de homicídio e curral eleitoral.

Foram expedidos 22 mandados de prisão, incluindo onze policiais militares (um deles já estava preso; os outros dez foram detidos ontem pela corporação); sete pessoas estão foragidas. Fábio Pereira de Oliveira, o Fabinho Gordo, e o PM Júlio Cesar Ferraz já estavam presos, respectivamente em Bangu 8 e no Batalhão Especial Prisional, por outras acusações.

- As investigações confirmam as notícias de que havia candidatos forçando pessoas a votar neles, no caso Carminha Jerominho. Ela usava pessoas que comprovadamente fazem parte da milícia Liga da Justiça, em maioria PMs, que davam sustentação de força - disse o superintendente da PF no Rio, Valdinho Jacinto Caetano.

O delegado explicou que a transferência dos presos para o Paraná deveu-se à conclusão de que os acusados poderiam manter sua articulação nas prisões do Rio. Entre os foragidos está o irmão de Carminha, o PM Luciano Guinâncio Guimarães, contra o qual já havia outros mandados de prisão de inquéritos da Polícia Civil.

Para o MP Eleitoral, as investigações da PF deixam claro que está sendo feito uso eleitoral do poder clandestino da milícia, pondo em risco a normalidade do processo eleitoral no do Rio. Por isso a prisão temporária foi pedida. O MP ressalta que há investigações de vários crimes, inclusive assassinatos e torturas, já durante a campanha eleitoral.

De acordo com as investigações da Polícia Federal, as pessoas que não concordavam em apoiar Carminha Jerominho eram expulsas de suas casas pelos milicianos. A PF afirma ainda que houve duas tentativas de homicídio de pessoas que não concordaram em ceder espaço para a propaganda política da candidata. Além disso, distribuidores de gás foram ameaçados.

- O gás que poderia ser vendido a R$21 passou a custar R$32 por causa da intermediação de uma pessoa ligada aos milicianos. Os recursos eram usados de alguma forma na campanha dessa candidata - disse Jacinto Caetano.

Tentativa de homicídio

Também foi preso ontem Guilherme de Bem Berardinelli. Segundo a PF, com a ajuda de um comparsa, ele coagiu distribuidores de gás das favelas dominadas pela milícia, como Batan, Carobinha e Barbante, a comprarem o produto exclusivamente com sua empresa, a Adegas. Ele cobrava dos distribuidores R$28 por botijão, revendido ainda mais caro. Parte do ágio era entregue aos milicianos para a campanha de Carminha, segundo a PF.

- Temos indícios de que vários outros serviços também eram cobrados, mas o constatado nos documentos (da investigação) é o de gás - disse o superintendente da PF.

As investigações que culminaram na deflagração da operação começaram justamente com a denúncia de um dos distribuidores de gás ameaçados. Além dele, a polícia conseguiu localizar uma das pessoas que sofreram tentativa de homicídio.

- Foi uma tentativa de homicídio recente. A milícia pensava que uma das pessoas que sofreu um atentado estava morta, porque ela desapareceu. Nós a localizamos e colhemos seu depoimento, que foi corroborado pelas investigações - disse Caetano.

Segundo o delegado, a PF não está investigando outros candidatos.

Para o Ministério Público Eleitoral, os integrantes da milícia que estão presos continuam comandando o esquema com o apoio dos que permanecem soltos, inclusive no interesse de eleger representantes para a Câmara de Vereadores. Para isso, o grupo adotaria armamento pesado e de uso restrito para coagir eleitores em benefício da candidatura de Carminha.

Há indicações de que o comando do grupo vêm sendo transferido para os filhos dos chefes originais, ou seja, o PM foragido Luciano e a candidata a vereadora Carminha. O inquérito que resultou nos pedidos de prisão temporária foi feito a partir de outro, que vem apurando a suspeita da prática de coação eleitoral do deputado estadual Natalino Guimarães.

Enriquecimento e manutenção de poder

A ordem de prisão da desembargadora federal Maria Helena Cisne diz que as investigações permitem "supor a existência de um grupo criminoso organizado, com contornos paramilitares, espoliando o poder público de atividades típicas de Estado, tais como o poder de polícia, poder tributário, transporte urbano, outros serviços essenciais".

Ela relata que a "quadrilha atuaria com propósito de enriquecimento e de perpetuação das suas atividades ilícitas, travestindo a atividade policial para compor braços armados e, ainda, através de representantes eleitos, ampliar o exercício de suas atividades através da infiltração de membros em Casas Legislativas, em específico a Câmara Municipal do Rio de Janeiro e a Assembléia Legislativa deste estado".(*) do Extra

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