Título: Tema em Discussão: Aborto de anencéfalo
Autor:
Fonte: O Globo, 31/08/2008, O Globo, p. 6
O Supremo Tribunal Federal (STF), depois de aprovar pesquisas com células-tronco, conforme o estabelecido na Lei de Biossegurança, volta a tratar de um tema delicado, na fronteira entre ética, religião e deveres de um Estado laico. A discussão sobre a liberação do aborto de fetos com cérebro malformado entrou de vez na agenda do Supremo com a liminar concedida em 2004 pelo ministro Marco Aurélio de Mello, a pedido da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, permitindo esse tipo de aborto no país. O pleno da Corte, porém, cassou a liminar, por considerar que a questão teria de ser decidida, e em definitivo, pelo Tribunal como um todo.
Por essa razão, assim como no caso das células-tronco, realizam-se audiências com grupos envolvidos com o problema - religiosos, médicos -, para que o veredicto tenha embasamento não apenas jurídico. É uma boa prática a do Supremo.
O assunto, por suas características, não poderia deixar de ter alguma carga de emoção e religiosidade. Por isso, precisam os ministros se ater a aspectos concretos, objetivos do tema.
É crucial considerar a figura da mãe. A lei permite a interrupção da gravidez apenas em casos de estupro ou se o feto colocar a vida da grávida em risco. Os abortos de anencéfalos têm de ser aprovados um a um. E como as decisões judiciais demoram, a intervenção termina sendo clandestina ou a mãe é forçada a passar pelo sofrimento de dar à luz um filho sem chances de viver. A palavra final, portanto, tem de ser dela. Os opositores da liberação desse tipo de aborto argumentam com o caso da menina Marcela de Jesus Ferreira. A mãe, muito religiosa, decidiu ter o bebê, apesar do diagnóstico de anencefalia - e Marcela não morreu ao nascer, como se prognosticava. O exemplo é usado como alerta à liberação do aborto.
A menina morreria com um ano e oito meses de idade. Houve um erro de diagnóstico; ela tinha um outro grave problema cerebral, mas não era anencéfala.
Para proteger a sociedade contra um erro grave como esse, a tendência do STF seria aprovar a supressão da gravidez de fetos anencéfalos, mas condicionando-a ao aval de uma junta médica. Parece sensato, contanto, que não haja uma burocracia que, na prática, torne inócua a liberação do aborto.