Título: A classe média do morro
Autor: Amora, Dimmi
Fonte: O Globo, 01/09/2008, Rio, p. 10

Aclasse média nas favelas do Rio já pode ser bem maior que os números encontrados pelo IBGE no Censo de 2000. É o que revela uma pesquisa inédita, feita pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS), a pedido do GLOBO, com moradores de comunidades. Dos entrevistados, 8% declararam que sua renda familiar mensal era superior a cinco salários mínimos (R$2.075). Entre dois e cinco salários mínimos, a resposta foi de 34,8%.

De acordo com dados do Censo 2000, trabalhados pelo Instituto Pereira Passos (IPP), entre 5% e 8% dos moradores dessas áreas, em 2000, estariam na chamada classe média (com renda familiar entre R$1.064 e R$4.501 hoje). Além dos 8% que estariam nessa faixa, revelados pela sondagem do IBPS, ainda há parte dos 34,8% que declararam renda familiar entre dois (R$831) e cinco (R$2.075) salários mínimos, em 2008. Os moradores com renda entre um e dois salários seriam 31,8%. E 14% informaram que a família tem renda de até um salário.

Nas favelas da Zona Sul, a renda parece estar um pouco mais alta. Lá, os resultados mostram que apenas 9,3% das famílias têm renda domiciliar de até um salário mínimo. E 36,4% estão entre dois e cinco salários mínimos. As favelas da Zona Norte concentram o maior número de pessoas com renda de até dois salários mínimos (48,4%).

Moradores antigos

Os moradores que vivem nessas áreas estão consolidados nelas. Segundo o levantamento, 57,3% moram há mais de 20 anos e outros 24% estão nessas áreas há mais de 10 anos e há menos de 20 anos. Apenas 1,6% moram na favela há menos de um ano. Dos ouvidos, 19% não mudariam de forma alguma, 26% só mudariam para uma casa melhor e 11% informaram que mudariam para qualquer lugar. Dos entrevistados, 10% admitiram que pagavam aluguel. Do total, 39,6% pagavam entre R$200 e R$300 mensais.

Numa pergunta que permitia múltiplas respostas, ou seja, a soma das respostas pode ser maior que 100% dos entrevistados, 41% disseram que vivem nas favelas porque é onde podem viver. Já 33% disseram que moram porque lá nasceram e 25% vivem nas comunidades porque têm casa própria. Apenas 2% disseram que moram nas favelas por ser próximo ao trabalho. Apesar disso, 13% dos entrevistados disseram que trabalhavam na própria comunidade onde moram.

A pesquisa confirmou a prática do clientelismo. Para receber um benefício em sua comunidade, 6,5% dos moradores de favelas da cidade do Rio já precisaram entregar seus títulos eleitorais. Dividido pelas regiões da cidade, o maior percentual aparece na Zona Norte, onde 8% dos moradores admitiram que já entregaram o título.

Dos entrevistados, 3% confirmaram que foram pressionados para votar em algum candidato. O maior percentual aparece nas favelas da Zona Sul (6%) e nas da Zona Oeste (5%). Nas favelas dessa região da cidade aparece o maior percentual de pessoas que dizem que a ordem é mantida pela milícia: 5%. Nas favelas do Centro, 27,6% admitiram que é o tráfico que mantém a ordem.

A pesquisa foi realizada com 1.029 moradores de favelas, entre os dias 2 e 13 de agosto deste ano. Os números apontam ainda que os moradores reprovam práticas clientelistas. Apenas 9,6% acham correto que políticos tragam benefícios para as comunidades em troca de votos para se eleger e 81,9% condenam essa prática dos candidatos.

Para o diretor do IBPS, o cientista político Geraldo Tadeu Carneiro, o número de pessoas que condena a prática do clientelismo é alto. Geraldo acredita que o baixo índice de pessoas que admitiram terem recebido pressão para votar num candidato pode indicar que o processo de cerceamento da liberdade de votar não é tão forte e pode estar localizado:

- É possível que esse processo seja absorvido pelos moradores sob a égide de "indicação" das lideranças, ou seja, de uma pressão mais persuasiva do que impositiva.

Para o diretor, é preocupante o fato de 7% dos entrevistados terem admitido que já precisaram dar título de eleitor para obter algum benefício na favela. Segundo ele, a prática é comum nos centros sociais e já atinge um número significativo de eleitores:

- Se considerarmos que cerca de 18% vivem em favelas no município do Rio, pelo menos 70 mil pessoas já foram obrigadas a se cadastrar com o título de eleitor para obter benefícios.