Título: Expectativa de calote recorde
Autor: Simão, Edna
Fonte: Correio Braziliense, 24/05/2009, Economia, p. 24

Desaceleração da economia deve elevar taxas de inadimplência de pessoas físicas para a faixa de 9% por causa do aumento do desemprego e do alto grau de endividamento das famílias brasileiras

Inadimplência nos empréstimos para compra de geladeira, fogão e máquina de lavar alcançou 14,24% O efeito da forte desaceleração da economia brasileira no mercado de trabalho deve fazer com que o nível de calotes no país atinja patamar recorde neste ano. Analistas de mercado estimam que a taxa de inadimplência de pessoa física pode superar a marca dos 9% no fim de 2009 devido à perspectiva de aumento do desemprego e ao alto endividamento das famílias. Se confirmada essa previsão, a taxa de inadimplência será a maior já registrada desde junho de 2000, quando o Banco Central (BC) começou a acompanhar esse dado. Em março, a inadimplência foi de 8,31%.

A tendência de disparada dos calotes causa preocupação, principalmente, para o governo que tem se esforçado para diminuir os spreads bancários ¿ diferença entre a taxa que o banco paga para captar recursos e a que ele cobra de sua clientela. Isso acontece porque, nesse cenário incerto, as instituições financeiras ficam mais reticentes a diminuir os custos dos empréstimos, mesmo em cenário de queda da taxa básica de juros (Selic) ¿ atualmente de 10,25% ao ano. O calote é um dos principais componentes do spread, assim como a carga tributária.

A possibilidade de aumento do calote já obrigou os bancos a elevarem suas provisões (reserva para cobrir prejuízos) em 27,1% no primeiro trimestre do ano, ou seja, eles reservaram R$ 82,854 bilhões em março para cobrir possíveis perdas. ¿Essa alta da inadimplência não é desejável porque os bancos se tornam mais seletivos. Diminuem a disposição para aumentar as concessões de crédito. A crise traz efeitos negativos de uma maneira geral, mas as instituições financeiras estão preparadas. Não vai haver uma explosão da inadimplência no primeiro semestre¿, pondera o economista da consultoria Tendências, Bruno Rocha.

Essa agressiva elevação das provisões dos bancos contribuiu diretamente para um tombo da lucratividade nos três primeiros meses de 2009 em relação ao mesmo período de 2008. A maior baixa do lucro foi verificada na Caixa Econômica Federal (-48,22%), seguida pelo BB (-29,1%), Itaú/Unibanco (-27,66%) e Bradesco (-9,6%). As instituições públicas têm sofrido mais porque estão ampliando suas carteiras de crédito num momento de crise em que as privadas ficam mais cautelosos em emprestar. A expansão do crédito é fundamental para a sustentação do crescimento da economia brasileira.

Impacto No cenário utilizado por Rocha, a inadimplência deve continuar crescendo nos próximos meses e estagnar apenas no segundo semestre, quando é esperada uma melhora nos indicadores. Segundo ele, o mercado de trabalho tem uma defasagem em relação à desaceleração da economia. ¿O impacto não é imediato. As empresas evitam demitir no início de uma crise, pois têm a expectativa de que o cenário melhore. Essa defasagem no mercado de trabalho, que varia de um a dois meses, também influencia nos atrasos de pagamento¿, explica. ¿Mas ainda há espaço para o spread bancário cair mesmo com a elevação da inadimplência¿, comenta o analista.

No segundo trimestre, tanto os economistas quanto o governo dizem que a economia tem dado sinais de recuperação. Porém, na avaliação de Rocha, ainda está bem aquém do desejado. A consultoria Tendências acredita que o país deve ter uma expansão de seu Produto Interno Bruto (PIB) bem próximo de zero. Nesse cenário, a taxa de desemprego subiria de 8,9% para 9,3% entre abril e dezembro. No caso do governo, a equipe econômica reduziu, na semana passada, a previsão de crescimento de 2% para 1% ¿ número considerado bastante otimista pelo mercado financeiro. ¿O desemprego é uma variável importante para a expansão do crédito. A renda vai sofrer com o crescimento menor. Vai ficar difícil conceder reajuste como os verificados no início e final deste ano¿, complementa o economista.

Para o economista-chefe da MB Associados, Sergio Valle, o nível de calotes entre as pessoas físicas pode até superar a marca dos 10%. ¿Toda aquela massa de classe média que voltou a ser empregada nos últimos dois anos e que foi demitida vai demorar a voltar ao mercado de trabalho. E ela deve continuar engrossando as estatísticas de inadimplência¿, destaca Valle. Na avaliação dele, essa expansão não é descontrolada porque parte da renda da população ainda cresce, especificamente, as relacionadas ao salário mínimo e ao funcionalismo público. Mas é inevitável o aumento do spread bancário.

Desafio ¿Não é um processo fácil de convergência para um número mais baixo (spread). Dependeria da reação da demanda diminuindo inadimplência, tributação e custos no sistema bancário. Não creio que forçar a queda do spread via bancos públicos funcione. Se fosse possível fazer isso de forma adequada, o BB e a Caixa já teriam feito. Há uma estrutura administrativa desses bancos que sabe que a diminuição dos spreads é um processo mais complexo do que uma simples canetada¿, conta o economista. Segundo ele, o volume de crédito e a competição serão os principais elementos para diminuir o spread bancário. ¿Mágicas funcionam apenas em curto prazo.¿

Pelas contas do assessor econômico da Experian Serasa, Carlos Henrique Almeida, a tendência da inadimplência é de alta por conta da desaceleração da atividade econômica neste ano de crise global. Ele lembrou que é inevitável que, em momentos de maior turbulência econômica, ocorra uma ampliação dos calotes. Isso ocorreu em 2001 e 2002, quando a economia brasileira sofreu com os efeitos do apagão de energia elétrica e dos ataques terroristas aos Estados Unidos; em 2003, no primeiro ano de mandato do presidente Lula; em 2005, com a disparada das taxas de juros para conter a inflação.

O economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), Istvan Kasznar, reforça que o desaquecimento provoca demissões e dificuldades de pagamento das dívidas. ¿A tendência é de alta da inadimplência e o patamar vai depender da recuperação da economia¿, ressalta. Mas a inadimplência varia de cidade para cidade. O DF, acaba sofrendo menos porque boa parte da população tem emprego público.