Título: 'O partido (PSDB) precisa se aproximar mais do povo'
Autor: Seleme, Ascânio; Fonseca, Silvia
Fonte: O Globo, 02/09/2008, O País, p. 8

"Não estou preocupado em olhar para trás", diz Geraldo Alckmin, candidato a prefeito de São Paulo pelo PSDB. E evita olhar também para os lados, conclui-se, diante da incapacidade de ser contundente numa crítica sequer a seus principais adversários, Marta Suplicy (PT) e o prefeito Gilberto Kassab (DEM). Mesmo provocado, Alckmin foge dos ataques, apesar de a petista liderar com folga a disputa e o prefeito estar dando sinais de que pode crescer e ameaçar seu segundo lugar nas pesquisas. Apesar das evidências, nega ter diferenças com o governador José Serra (PSDB). Nas entrelinhas, porém, a crítica vai para Serra e o PSDB, que "precisa se aproximar mais do povo". E defende sua candidatura contra a vontade do governador, que queria uma aliança em torno de Kassab. "Precisamos aprender a exercer a democracia", diz, lembrando que seu nome foi aprovado pelo partido em convenção.

Alckmin diz ser um estudioso das questões das grandes cidades, citando soluções encontradas por Bogotá, Londres, Berlim, entre outras. Defende tratamento de cidade-estado para São Paulo, incluindo o aumento do limite de endividamento. Quando o assunto volta a ser Serra, diz que ele é, hoje, mais forte que o mineiro Aécio Neves para disputar a Presidência da República. E que, se eleito prefeito, em 2010 vai trabalhar para unir o partido em torno de quem que tiver mais condições de ser candidato. Leitores de O GLOBO na internet também participaram da entrevista, enviando perguntas.

Ascânio Seleme, Silvia Fonseca, Germano Oliveira, Ricardo Galhardo e Soraya Aggege

O senhor se impôs candidato a prefeito, como fez na eleição presidencial, dividindo o PSDB. O senhor é teimoso?

GERALDO ALCKMIN: Não. Essa não é uma leitura correta. Na eleição de 2006, eu era governador e deixei claríssimo: "Se o PSDB escolher outra candidatura, eu não só apóio como nem saio do governo". Imagine um cenário do Serra candidato à Presidência. Poderíamos ter perdido a eleição, porque é muito difícil você enfrentar uma eleição com o candidato no cargo (o presidente Lula).

O senhor poupou Serra, então? Entrou para perder?

ALCKMIN: Não, não fui para perder, mas o PSDB tomou a decisão mais acertada. Porque ganhamos o governo do estado. Podíamos ter perdido o federal e também o estadual.

Então o senhor fez uma espécie de sacrifício?

ALCKMIN: Não, não foi sacrifício. Eu queria ser candidato. E acho que suei a camisa corretamente. O Lula (contra FH em 98) não levou a eleição para o segundo turno. Eu não só levei para o segundo turno, como ganhei do presidente em sete estados, no primeiro e no segundo turnos. Vencemos a eleição numa parte importante do Brasil.

Não é a mesma situação em São Paulo, com o prefeito Kassab?

ALCKMIN: O PSDB sempre teve candidato em São Paulo. Estamos falando da quarta cidade do mundo. O Serra foi candidato a prefeito três vezes. É óbvio que o sentimento do partido é de ter candidatura própria. O que eu coloquei: "O partido precisa se aproximar mais do povo". E é através de governo municipal que você chega no povo.

Mas o PSDB já não estava na administração municipal indiretamente?

ALCKMIN: O DEM é outro partido. Não somos do DEM.

Mas quase todo o secretariado era do PSDB.

ALCKMIN: Não é verdade. Se o governo é tão bom com seis ou sete, imagine se for todo PSDB. O PSDB é muito mais forte em São Paulo, tem quadros, presença na cidade, no estado. O que vejo aí? Nós tentamos. Agora, para isso tem segundo turno. Precisamos exercer democracia, que é um processo de escolha interna.

O senhor acha que falta tradição de disputa interna no PSDB? O PT, por exemplo, vinha numa crise sem precedentes, do mensalão, e o processo de eleição interna parece que uniu o partido...

ALCKMIN: O que acontece no PT? Ministro perde, ex-governador perde... Agora, aquele que foi escolhido está legitimado. Democracia começa dentro de casa.

Mas o governador Serra não está envolvido na sua campanha...

ALCKMIN: Tanto aceitou que foi à convenção do PSDB, de onde saí candidato em chapa única com mais de 90% dos votos. Estava do meu lado e fez um belíssimo discurso. No primeiro programa de TV estava ele lá.

A que o senhor atribui a liderança folgada de Marta Suplicy (PT) nas pesquisas?

ALCKMIN: O PT tem força, ela tem o recall de ex-prefeita e uma massa de propaganda enorme. Mas acho que o PT ficará nessa faixa de 35%, que é o que ele tem. E, no segundo turno, teremos grandes chances. Minha rejeição é de 18%, metade da do PT. Pelo Ibope, 12%.

A de Kassab também é baixa...

ALCKMIN: Um pouco menor que a da candidata do PT.

Se Kassab for para o segundo turno, o senhor vai apoiá-lo?

ALCKMIN: Eu vou para o segundo turno.

Com o apoio do Kassab?

ALCKMIN: Vou querer o apoio de todos.

E como o senhor resolverá as rusgas dentro do PSDB?

ALCKMIN: Não tem nenhuma rusga. Você já ouviu crítica minha?

É importante o apoio do presidente Lula a Marta?

ALCKMIN: Ajuda, mas não acredito que isso possa mudar o quadro eleitoral. Todo mundo já sabia que o Lula apóia a Marta.

Como foi a gestão dela?

ALCKMIN: Com todo o respeito, ela foi reprovada. Não se reelegeu e não tem um projeto novo. A situação financeira da prefeitura, quando ela saiu, era muito grave, ao ponto de o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ter que seqüestrar, em dezembro, o dinheiro da prefeitura por não-pagamento sequer da mensalidade da dívida. Havia 1.800 fornecedores tentando receber.

Kassab e Marta tentam polarizar a disputa. Isso é bom para o senhor ou é um desprestígio político?

ALCKMIN: Não vejo problema. Tenho procurado conversar diretamente com o eleitor. Sempre que você fala do adversário, está fazendo propaganda dele. Não estou nem um pouco preocupado em olhar para trás, falar de governo anterior ou qualquer governo.

O seu programa de governo não diz de onde vai sair o dinheiro para executar as propostas.

ALCKMIN: A prefeitura tem um orçamento de quase R$26 bilhões. É maior do que os orçamentos de 22 estados. Pretendo fazer um grande esforço de gestão na melhoria da qualidade do gasto público. Então, temos recursos. Além disso, temos grandes possibilidades de aumentar o investimento privado. Fiz a primeira parceria público-privada do país, a linha 4 do Metrô, que teve R$700 milhões de investimento privado. Fizemos as concessões de estradas no governo de São Paulo. As melhores estradas do país estão aqui.

A linha 4 teve um acidente que matou sete pessoas, e o preço dos pedágios nas estradas são alvo de freqüentes reclamações.

ALCKMIN: Na minha reeleição para governador, este debate sobre pedágios ocorreu, e fui reeleito com mais de 60% dos votos.

O senhor é favorável ao pedágio urbano?

ALCKMIN: Não. Tem tanta coisa para fazer antes na questão do trânsito e do transporte que não faria muito sentido começar fazendo pedágio. Londres, que tem pedágio urbano, possui 400 quilômetros de metrô.

Nem a longo prazo?

ALCKMIN: No meu governo, não. É preciso fazer a escolha pelo transporte coletivo. Prioridade para o ônibus. Fui a Curitiba e Bogotá para estudar o sistema de ônibus.

Qual a melhor solução?

ALCKMIN: Transporte coletivo. Temos que fazer os ônibus andarem. E criar garagens subterrâneas.

A gestão Kassab deixou a dever nesta área?

ALCKMIN: Pretendo fazer uma revolução na questão do transporte e do trânsito, principalmente no transporte coletivo. Outra coisa é criar novos pólos auto-sustentáveis. São Paulo é uma cidade plural. Temos várias cidades aqui dentro. Precisamos gerar empregos nos bairros.

A gestão do trânsito está ruim?

ALCKMIN: Tenho evitado ficar nessa briga de natureza política. Minha preocupação são os problemas de São Paulo.

E quanto à segurança?

ALCKMIN: Vou criar a Secretaria da Segurança Pública e Cidadania, não para competir com o estado. O município tem tudo a ver com as causas da violência e pode agir: iluminação pública de sódio, 18 mil câmaras de vídeo, mais 10 mil guardas. No mundo inteiro se atua com polícia municipal.

O senhor reitera o compromisso de cumprir o mandato até o fim?

ALCKMIN: Pretendo ficar os quatro anos. Sou apaixonado por esse tema da cidade, do governo mais perto das pessoas.

Há um certo temor de que em 2010 o senhor volte novamente a disputar com Serra...

ALCKMIN: Em 2010, vou ajudar a amalgamar o PSDB. Unir Serra, Aécio (Neves, governador de Minas), o (senador) Arthur Virgílio (PSDB-AM)...

Em torno de quem?

ALCKMIN: Daquele que tiver mais condição. Hoje, o Serra tem condições mais favoráveis. E vou dizer mais: a minha vitória em São Paulo fortalece o Serra e o PSDB em São Paulo. Vou ficar muito feliz servindo o povo de São Paulo.