Título: 'Pode ter sido alguém da Abin'
Autor: Franco, Bernardo Mello; Alencastro, Catarina
Fonte: O Globo, 03/09/2008, O País, p. 3

Em depoimento à CPI dos Grampos, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, ministro Jorge Félix, admitiu ontem que servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) podem ter participado de escutas ilegais nos telefones do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. O general saiu em defesa do ex-diretor Paulo Lacerda, afastado do cargo segunda-feira pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas disse que funcionários do órgão podem ter feito grampos à revelia dele. A tese foi reforçada pelo líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS). Anteontem, ao defender a Abin, o general chegou a pôr o cargo à disposição do presidente.

O general disse que a Abin não tem poderes para fazer escutas, e afirmou estar certo de que seus dirigentes respeitaram os limites legais da atuação da agência. Segundo Félix, a cooperação da Abin com a PF na Operação Satiagraha limitou-se a pesquisas em bancos de dados de acesso público. Ele ressalvou, porém, que os servidores do órgão são sujeitos a erros:

- Tenho convicção de que institucionalmente a Abin não fez isso. Mas não descartamos nenhuma hipótese. Servidores da Abin são sujeitos a acertos e erros como qualquer humano.

Para o general, a organização da agência inibiria esse tipo de conduta:

- Lidamos com seres humanos. Pode ter sido alguém do corpo de servidores da agência? Pode. Mas o grau de probabilidade eu acho baixo. A maior parte das pessoas que trabalha na agência está junta há muitos anos, é difícil alguém romper a relação de confiança.

Félix fez elogios a Lacerda e disse estar certo da inocência dele:

- Reafirmo aqui a confiança nos servidores afastados, em especial o doutor Paulo Lacerda, que tem uma das folhas mais belas de serviços prestados ao país. Ele tem sido um bom diretor da Abin.

Perícia em aparelho de varredura da Abin

Durante o depoimento, o deputado Raul Jungmann (PPS-PE) interpelou o general dizendo ter recebido a informação de que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, havia declarado que a Abin comprou um equipamento de varredura em telefones que também permite fazer escutas. Félix confirmou a aquisição de um equipamento de varredura, em parceria com o Exército, e informou já ter determinado uma perícia no aparelho:

- O que afirmo é que ele foi comprado como equipamento de varredura. Se permite complementos, vamos fazer essa perícia para ver.

Félix disse que a agência mantém servidores que foram afastados por vazamento de informações, mas recuperaram os cargos por decisão judicial. Segundo ele, esses funcionários teriam acesso limitado a informações sigilosas. O general informou que houve até cinco sindicâncias para apurar possíveis vazamentos no governo Lula, mas disse que nada foi provado:

- Há precedentes de vazamento de informações. E uma dificuldade grande de comprovar que isso aconteceu. Os meios de que nós dispomos não nos permitem fazer determinadas coisas. É uma situação difícil, que gera, às vezes, um clima de desconfiança em relação a alguns servidores da Abin. Tentamos minorar os problemas, mas que eles ocorrem, ocorrem.

Félix informou que um servidor da superintendência da Abin no Rio já foi condenado por fazer grampo ilegal, no governo Fernando Henrique, mas conseguiu recuperar o cargo na Justiça. Segundo ele, o funcionário está afastado das atividades de inteligência:

- Ele foi condenado por escuta ilegal no fim da década de 90.

Ao fim do depoimento, Félix disse que quem teme ser grampeado deveria evitar o uso do telefone.

- Tecnologia antigrampo, a única efetivamente eficaz é não abrir a boca. Todos nós devemos evitar o meio mais vulnerável, que é a telefonia.