Título: Câmara refém da farra das passagens
Autor: Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 25/05/2009, Política, p. 2

Até agora, apenas 17 parlamentares abriram mão de créditos da cota aérea acumulados nos últimos anos. Casa não sabe quantos mais têm de fazer o mesmo nem a quantidade de recursos a ser ressarcida ao Tesouro

Em dezembro, os créditos de passagens aéreas acumulados por deputados e ex-deputados, à custa do erário, perdem a validade. Até lá, parlamentares, com ou sem mandato, que não usaram tudo a que tinham direito graças às regras flexíveis adotadas durante anos poderão ou não devolvê-los aos cofres públicos. Até a semana passada, apenas 17 fizeram a devolução, segundo levantamento da coordenação das cotas aéreas. Mais intrigante do que a pouca disposição dos congressistas para abrir mão dos benefícios é o fato de que a Câmara sequer sabe quantas Excelências têm créditos nas companhias aéreas. A Casa também não sabe qual é o valor que deveria voltar ao Tesouro Nacional.

Segundo o levantamento, cinco ex-deputados devolveram os créditos até a semana passada. Todos teriam pedido à Câmara para que não divulgassem seus nomes. Alegaram que não gostariam de voltar à mídia como políticos que, mesmo sem mandato, se beneficiavam de créditos aéreos, os quais, teoricamente, devem ser usados para facilitar o desempenho da atividade parlamentar. A soma de todas as devoluções feitas desde abril, incluindo as realizadas por 12 deputados no exercício do mandato, chega a R$ 642.466. É difícil, no entanto, saber quanto esse valor representa no montante acumulado devido à falta de informação da Câmara. A assessoria da Casa admitiu o descontrole.

Além disso, alegou que o problema para reunir dados sobre o uso dos recursos está na dificuldade dos departamentos técnicos de controlar os créditos depois que eles passam para o nome do parlamentar. O uso da cota ocorre por meio de uma relação direta entre os gabinetes e as empresas aéreas ou agências de turismo. Para técnicos, foi por conta dessa falta de controle da Câmara e da liberdade dos funcionários dos gabinetes que as irregularidades e fraudes foram cometidas. Tanto que a comissão de sindicância aberta para investigar denúncias de venda da cota parlamentar só se deparou por enquanto com ilegalidades cometidas por servidores. Muitos já procuraram os integrantes da sindicância para admitir a culpa e detalhar como ocorriam as fraudes.

Nos bastidores da investigação, comenta-se como tem sido difícil detectar se as admissões de culpa são gestos espontâneos ou se os funcionários agem para acobertar os deputados, que não precisariam se submeter a ações por quebra de decoro. Os trabalhos da comissão terminam no fim de junho, e o relatório com os depoimentos dos servidores será encaminhado ao Ministério Público.

Devoluções De acordo com a Terceira Secretaria da Câmara, os deputados Chico Alencar (PSol-RJ), João Dado (PDT-SP), Luiz Carlos Buzato (PTB-RS), Alceni Guerra (DEM-PR), Silvio Torres (PSDB-SP), Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB-ES), Fernando Gabeira (PV-RJ), Emanuel Fernandes (PSDB-SP), Ivan Valente (PSol-SP), Geraldo Magela (PT-DF), Lincoln Portela (PR-MG) e Fernando Coruja (PPS-SC) devolveram ao Tesouro os valores acumulados da cota de passagens. Apesar de receber os ofícios informando as devoluções, o terceiro-secretário, Odair Cunha (PT-MG), tem mantido sigilo sobre as quantias restituídas por cada parlamentar.

A ideia do deputado é só enfatizar o mérito de quem devolveu, sem abrir debate sobre o descontrole da Câmara em relação ao acúmulo indevido e desregrado dos créditos das cotas aéreas. ¿Mais importante do que quanto foi acumulado até hoje é o fato de que quem tem créditos somente poderá utilizá-los de acordo com as novas regras determinadas pela atual Mesa. Ou seja, apenas eles podem usar e tem de ser para o exercício do mandato¿, declarou Cunha.

O petista disse ainda que solicitou das empresas um levantamento sobre os ex-parlamentares que ainda possuem créditos da Câmara. ¿Pedi informações sobre quem são eles e quanto eles acumularam. Eles não devem mais usar essa cota, visto que agora ela deve ser destinada exclusivamente ao exercício parlamentar. Para a Câmara, é difícil saber quanto foi acumulado porque, depois que esse crédito passa para o nome do deputado, se torna uma espécie de cheque ao portador. Somente as empresas passam a ter esse controle¿, afirmou Cunha.