Título: Judiciário admite exageros
Autor: Brígido, Carolina; Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 04/09/2008, O País, p. 3

O novo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Cesar Asfor Rocha, admitiu ontem, ao assumir o cargo, que há um excesso de escutas telefônicas determinadas por juízes no país. Asfor Rocha elogiou a resolução que está sendo preparada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para criar um sistema de controle sobre escutas instaladas no país, e reclamou da banalização do uso desse instrumento de investigação.

- Nós devemos fazer um mea culpa, sim. Porque, em regra, a quebra de sigilo telefônico é determinada pelo juiz. Há excessos, muitas vezes há banalização. Não há nada mais sagrado para qualquer cidadão que o resguardo da sua intimidade - afirmou.

O ministro lembrou que o mecanismo serve para comprovar "indícios veementes" de prática criminosa, e deve ser usado para aprofundar investigações. Para coibir grampos ilegais, Asfor Rocha defendeu a criação de uma vara para julgar abusos cometidos por policiais. Seria um órgão auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, ligada ao CNJ e comandada pelo ministro. Ele citou o exemplo de São Paulo, em que um colegiado de magistrados de primeiro grau recebe denúncias de excessos cometidos por colegas.

- Essa resolução pode minimizar abusos, excessos de que hoje todos temos notícia. Não é a única, mas é uma solução que pode ser adotada dentro da legalidade, com o objetivo de resguardar a intimidade, o que de mais sagrado que pode ter qualquer pessoa - disse.

Asfor Rocha considerou grave a escuta ilegal supostamente instalada em telefone do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes:

- Não se poderia nunca cogitar de acontecer. Se autoridades deste porte estão vulneráveis a escutas telefônicas, imagina o cidadão comum.

Para o ministro, o episódio teve um resultado positivo, porque acordou autoridades que estavam "em estado letárgico" para tomar providências:

- É trágico dizer que não temos mais segurança para falar (ao telefone). Daqui a pouco, as mães não podem mais falar com suas filhas conversas íntimas, o filho não pode conversar com o pai, os irmãos não podem mais conversar, os casais, os amigos. Nós não podemos nos conformar com isso. Infelizmente, vivemos num estado de absoluta insegurança.

Na posse, o presidente da OAB, Cezar Britto, acusou o Ministério Público e as polícias de "bisbilhotagem":

- O guardião da Constituição é o Supremo Tribunal Federal, mas o guardião do Estado é uma engenhoca eletrônica de bisbilhotagem, disputadíssima por Ministério Público e polícias.

No mesmo discurso, Britto afirmou que há uma "grampolândia" no Brasil. Ao ouvir esse trecho, o presidente Lula, também presente, reagiu com riso irônico. Gilmar, ao lado, manteve-se sério. O ministro da Justiça, Tarso Genro, que anotou as falas de Britto, disse a assessores que estava indignado. Após a cerimônia, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, respondeu irritado:

- O presidente da OAB fez um discurso de quem desconhece o Ministério Público. O MP só atua em procedimentos lícitos, autorizados legalmente. Essa história de grampo é atividade de quem não age licitamente. O MP se utiliza de interceptações telefônicas submetidas ao crivo do Judiciário. Quem ler a Constituição há de saber que o procedimento é absolutamente lícito.

Na posse, sem mencionar textualmente escutas clandestinas, Antonio Fernando atacou formas criminosas de investigação e disse que o momento é de se apurar as denúncias.

- A utilização criminosa de recursos técnicos de coleta de informações é reprovável e deve ser rigorosamente punida, mas não pode servir de pretexto para a adoção de medidas que restrinjam ou inviabilizem o seu uso legítimo nas investigações em que são adequados e indispensáveis a efetividade da atuação investigatória estatal.

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