Título: A campanha atrás das grades
Autor: Bruno,Cássio ; Otavio,Chico
Fonte: O Globo, 07/09/2008, O País, p. 3

Candidatos Mota da Coopasa e Carminha Jerominho pedem votos de dentro da prisão.

Ele ocupa uma cela no coração da Ilha das Cobras, dentro do comando geral do Corpo de Fuzileiros Navais, no Rio, enquanto ela amarga uma solitária de seis metros quadrados em Catanduvas, interior do Paraná, onde não há contato físico nem com carcereiros. Mesmo assim, Edson da Silva Mota, o Mota da Coopasa, e Carmen Guinâncio Guimarães, a Carminha Jerominho, não saíram das ruas. Candidatos a vereador de São Gonçalo e Rio de Janeiro, respectivamente, eles comandam das prisões campanhas que mobilizam dezenas de aliados e cabos eleitorais, na busca do voto dos eleitores, e desafiam as autoridades ao se apresentar como mártires e vítimas de perseguições políticas.

Apontado como chefão da máfia de transportes alternativos em São Gonçalo e vizinhanças, o vereador e sargento reformado da Marinha Mota da Coopasa (PSL) está preso em regime fechado desde 13 de agosto, acusado de ordenar o assassinato do presidente da cooperativa Santa Isabel, Luiz Cláudio Moreira, em 2006. Segundo a Marinha, Mota tem "banho de sol, visita de familiares e assistências médica, odontológica, religiosa e jurídica".

De uma cela do presídio, o candidato mobiliza a estrutura do transporte alternativo no município para se reeleger. São cerca de mil motoristas de Kombis e vans autônomos e de nove cooperativas, que exploram linhas municipais e intermunicipais na cidade, responsáveis por distribuir propagandas do parlamentar em pelo menos 30 pontos onde a categoria atua.

Acusada de chefiar um esquema de coação a eleitores em Campo Grande, na Zona Oeste, imposto pela milícia, Carminha Jerominho (PTdoB) está no presídio federal de segurança máxima de Cantanduvas. Mesmo submetida a Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), deu um jeito de demonstrar ousadia. Na quinta-feira passada, em frente ao prédio onde trabalha uma das autoridades responsáveis por sua prisão, seus cabos eleitorais distribuíam um "recado" da candidata: "Primeiro prenderam o meu pai, o vereador Jerominho. E, em seguida, o meu tio, deputado Natalino, acusados de combater o tráfico. Agora, me prenderam para que eu não possa prosseguir fazendo campanha (...)". Ela finaliza o aviso: "conto com o seu voto, pois, mesmo presa, continuo candidata".

Carminha foi presa por agentes da Polícia Federal em 29 de agosto, na Operação Voto Livre. Ela é filha do vereador Jerominho (PMDB) e sobrinha do deputado estadual Natalino Guimarães (sem partido) - também presos sob acusação de envolvimento com milícias. A candidata teria substituído o pai e o tio no controle da autodenominada Liga da Justiça. A prisão de Carminha e Mota da Coopasa só não acabou com o projeto eleitoral de ambos porque o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou os candidatos "fichas-sujas" para fazer campanha.

Aliado e sindicato cedem material

Mulher de Mota da Coopasa, a professora primária Roméria de Fátima Oliveira Pinto Mota, de 40 anos, assumiu o comando da campanha desde que o marido foi preso. Segundo ela, todo o material, incluindo panfletos, adesivos, galhardetes e placas, está sendo financiado pelo aliado e candidato a prefeito de São Gonçalo Altineu Cortes (PT) e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Transporte Alternativo do Estado do Rio (Sintral).

- Não entendo e nem gosto de política. Estou fazendo o meu papel de esposa - disse Roméria, que visita Mota da Coopasa na cadeia da Ilha das Cobras duas vezes por semana desde quando ele foi preso por policiais da 74ª DP (Alcântara) junto com os filhos, André e Edson Mota, acusados do mesmo crime do pai.

Na propaganda, Mota da Coopasa aparece sorridente ao lado de Altineu Cortes e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um caminhão de som do vereador circula na cidade com frases de auto-estima: "A luta não pode parar" e "Não podemos perder a esperança, pois um novo amanhã está por vir". O QG da campanha fica na sede da Cooperativa de Transporte Alternativo Pacheco e Sacramento (Coopasa), em Lagoinha.

- Temos a esperança de vê-lo solto e reeleito - diz o coordenador de campanha, Marcos Vinícius de Moura, presidente da Cooper Transpeed.

Na Câmara, Mota da Coopasa parece estar blindado. Nas três últimas sessões, quando seria votado o afastamento temporário dele, não houve quórum. O vereador Miguel Moraes (PT) admitiu fazer corpo-a-corpo para convencer colegas a manterem o mandato do aliado. O acusado, que em 2005 conseguiu aprovar um projeto de lei de regulamentação do transporte complementar de São Gonçalo, continua recebendo salário de R$6 mil.

- É precipitado votar o afastamento. Estou pedindo um pouco de paciência aos vereadores. Cabe à Justiça julgar esse caso - disse Moraes.

O delegado da 74ª DP, Fábio Baruke, lembra que o esquema montado por Mota da Coopasa frente ao transporte alternativo chega a lucrar R$200 mil por semana:

- Ele (Mota) quer manter um monopólio e se diz defensor da categoria para conseguir votos.

O historiador Marco Antônio Villa, da Universidade Federal de São Carlos (SP), diz que há uma espécie de conluio entre candidatos acusados de crimes e o eleitor - que não se importa em dar seu voto a alguém atrás das grades, desde que esse político tenha trazido benefícios à comunidade.

- Causa indignação. É uma espécie de conluio entre o eleitor e o eleito. O eleitor sabe, mas escolhe. É uma aceitação, um pequeno desvio de personalidade. Desinformação não é. Todo mundo sabe que o candidato é corrupto, acusado de atos lesivos. Mas a população referenda o candidato.

Filha de Jerominho tenta habeas corpus

Anteontem à noite, o ministro Felix Fischer, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), determinou que Carminha saia do RDD. O advogado dela, Flávio Fernandes, entrara com pedido de habeas corpus questionando a transferência para Catanduvas e alegando "que as carceragens das delegacias cariocas, que não oferecem a mínima segurança, estão lotadas de presos de alta periculosidade". O TSE não definiu se ela continuará em Catanduvas.

Nas ruas, cabos eleitorais de Carminha pedem votos a todo vapor. Usando camisas brancas com o lema "coração valente", carregavam na quinta-feira placas na Avenida Guandu do Sapê, em Campo Grande, onde funciona o comitê eleitoral dela. Carros e caminhões de som podiam ser vistos, e simpatizantes distribuíam propaganda de Carminha no calçadão.