Título: Parlamentares admitem ineficiência no controle da Abin
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 07/09/2008, O País, p. 14

Comissão mista responsável só se reúne em momentos de crise e não tem nem regimento nem funcionários.

BRASÍLIA. Sucessora do temido Serviço Nacional de Informações (SNI), a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) acumula poderes e acusações de ultrapassar seus limites legais. Envolvida na mais recente crise sobre grampos ilegais no telefone do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, a Abin funciona livre de controle externo. A Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência, única instância responsável por acompanhar o que faz a agência, é descrita por parlamentares como omissa e ineficiente. Nove anos depois de sua criação, essa comissão - composta por três deputados e três senadores - funciona de forma improvisada, só se reúne em momentos de crise e até hoje não tem sequer um regimento aprovado.

A ausência de vigilância sobre a Abin é denunciada pelo histórico recente da comissão, que despertará mais uma vez na terça-feira para discutir o grampo no STF. A última ata pública de sessão, divulgada no site do Senado, data de março de 2005, quando o então diretor da agência, Mauro Marcelo de Lima e Silva, foi convocado a explicar denúncias de envolvimento com as Forças Armadas da Colômbia (Farc).

Heráclito não convocou reuniões da comissão em 2007

O atual presidente da comissão, senador Heráclito Fortes (DEM-PI), não convocou qualquer reunião no ano passado. Este ano, os dois encontros do órgão, que não tem sala ou servidores próprios, foram marcados para o gabinete dele e atraíram poucos parlamentares. Em depoimento à CPI do Grampo na última quarta-feira, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Armando Félix, insinuou que os parlamentares andavam muito atarefados para se preocupar com as atividades de inteligência.

- Parece-me que os membros dessa comissão são as pessoas mais ocupadas do Congresso - disse o ministro responsável pela Abin.

Os integrantes da comissão são os ocupantes dos postos de liderança do governo e da oposição na Câmara e no Senado, além dos presidentes das comissões de Relações Exteriores das duas Casas.

Autor de um projeto para obrigar a agência a apresentar relatórios semestrais ao Congresso, que aguarda votação na Câmara desde 2001, o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) diz que o órgão de controle externo da Abin trabalha "por espasmos" e só se mobiliza em razão de escândalos na mídia:

- A comissão está parada por negligência do Congresso. Hoje a sociedade não tem qualquer mecanismo para saber o que é feito pelos espiões. Nem o governo controla a Abin.

O controle das atividades de inteligência está previsto na lei que criou a Abin, em 1999. Na época, o mecanismo foi apontado como garantia de que a ação dos arapongas seria vigiada de perto para evitar abusos - diferentemente do que acontecia com o SNI, que usava métodos clandestinos para montar dossiês contra opositores da ditadura militar. O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que presidiu a comissão em 2005, avalia que a tarefa não foi cumprida:

- A única forma de manter um órgão de inteligência na democracia é assegurar sua fiscalização. Se a comissão funcionasse, a Abin se sentiria inibida de agir à margem da lei.

Demóstenes propõe criar uma ouvidoria independente

Pelo projeto engavetado na Câmara, a Abin seria obrigada a enviar ao Congresso dois relatórios semestrais: um público, sobre gastos e atividades não sigilosas, e outro reservado, com um resumo das atividades dos arapongas e das supostas ameaças à segurança nacional encontradas por eles. O senador Paulo Duque (PMDB-RJ), que participou da última reunião reservada, sugere uma fórmula de transparência com moderação:

- Um órgão de inteligência que divulga demais suas atividades perde a função de ser, mas é necessário ampliar a vigilância.

Interlocutor de Gilmar no grampo divulgado pela revista "Veja" na semana passada, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) estuda proposta diferente: criar uma ouvidoria independente da Abin, composta por sete técnicos indicados pelos três poderes e pelo Ministério Público Federal. Para ele, o sistema atual de vigilância dos espiões está fadado ao fracasso:

- Hoje, o controle é ridículo.

À CPI do Grampo, o diretor-adjunto afastado da Abin, José Milton Campana, disse que a falta de regulamentação do órgão de controle dificulta o cumprimento da fiscalização externa da Abin. Heráclito Fortes estava em viagem ao exterior e não foi localizado na sexta-feira.