Título: E as bolsas do mundo derretem...
Autor: Frisch, Felipe
Fonte: O Globo, 05/09/2008, Economia, p. 25

As bolsas de valores do mundo todo foram abaladas ontem pelas perspectivas de mais inflação e menos crescimento econômico no mundo. Os temores partiram do Banco Central Europeu (BCE) e do Banco da Inglaterra (o banco central do país), que decidiram manter suas taxas de juros inalteradas, argumentando que o controle da alta do custo de vida é mais importante agora. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) fechou com forte queda de 3,96%, para 51.408 pontos. Isso levou o índice de volta aos níveis de 21 de agosto do ano passado, perdendo, portanto, mais de 12 meses de rentabilidade. No ano, o índice já acumula perda de 19,53% e, nos últimos cinco dias, de 8,82%.

Já o dólar voltou a ser negociado acima de R$1,70, nível que não alcançava desde 2 de abril deste ano: a moeda fechou a R$1,722, em alta de 2,68%. É a maior valorização em um dia desde 26 de julho de 2007. A pressão veio da saída de investidores estrangeiros do país e, principalmente, do movimento mundial de alta do dólar - na verdade, de queda das outras moedas, especialmente o euro.

Em Wall Street, os temores foram reforçados por dados macroeconômicos ruins da economia americana. O Dow Jones, da Bolsa de Nova York, fechou em queda de 2,99%, enquanto Nasdaq e Standard&Poor"s (S&P) recuaram 3,20% e 2,99%, respectivamente. Na Europa, o FTSE, da Bolsa de Londres, fechou em queda de 2,5%. O DAX, de Frankfurt, caiu 2,9%, e o CAC, de Paris, 3,2%. Na Ásia, mesmo antes da decisão do BCE, as bolsas recuaram pelo temor de desaceleração global. Em Tóquio, o Nikkei fechou em baixa de 1%. Taiwan perdeu 2,6%, Cingapura, 3%, e Hong Kong, 1%.

Para se ter idéia do estrago de ontem, apenas cinco ações das 66 que formam a carteira do Ibovespa - que reúne as ações mais negociadas do pregão e é o principal indicador da Bovespa - tiveram alta no dia. A maior queda entre esses papéis foi justamente das ações da BM&FBovespa (empresa controladora das Bolsas brasileiras), que caíram 11,34%, devido à queda do volume da Bovespa nos últimos dias. Isso reduz a receita para a Bolsa, proveniente e proporcional aos volumes de negócios executados.

Além disso, agora a ação sofre por ser o terceiro papel mais líquido de toda a Bolsa, já que passou a integrar o Ibovespa nessa posição a partir de setembro, explica Álvaro Bandeira, economista-chefe da corretora Ágora. A queda das ações da BM&FBovespa é também uma correção após as altas recentes, quando o papel estava prestes a entrar no índice e passou a ser comprado por muitos fundos que o acompanham.

Perdas importantes também foram sentidas pelas ações de siderúrgicas, Vale e Petrobras, com a continuidade da desvalorização das commodities (matérias-primas negociadas no mercado internacional, como petróleo e aço, com forte peso no Ibovespa) no mundo. Este foi outro fator para a queda da Bovespa. Quando esses produtos estavam em alta, deixavam a bolsa brasileira no campo positivo, na contramão das demais. Agora, a Bovespa sofre duas vezes: pelas quedas das bolsas estrangeiras e pela desvalorização das matérias-primas.

- A atividade está fraca e a inflação está alta. É o pior dos mundos - avalia Patricia Branco, sócia da gestora de recursos Global Equity.

Os papéis da CSN caíram 7,57%, os da Gerdau Metalúrgica, 7,56%, e os da Usiminas, 7,15%. Já as ações preferenciais (sem direito voto) da Vale caíram 3,11% e as da Petrobras, 3,53%.

A previsão de queda na demanda devido à perspectiva de desaquecimento global fez os preços do petróleo caírem. Em Nova York, o barril do tipo leve americano recuou 1,34%, para US$107,89, a menor cotação desde 4 de abril. Em Londres, o do tipo Brent caiu 1,65%, para US$106,30.

O BCE e o Banco da Inglaterra mantiveram suas taxas de juros em 4,25% e 5%, respectivamente. O presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, disse que a autoridade monetária continuará concentrada no combate à inflação, mesmo depois de ter reduzido sua previsão para o crescimento das economias da União Européia (UE) este ano, de 1,8% para 1,4%. Em agosto, a inflação ficou em 3,8%, e o objetivo do BCE é reduzir o índice para 2% - mas a projeção para o ano está em 3,4%. O BC inglês enfrenta problema semelhante: sua meta de inflação é de 2%, mas as estimativas para 2008 são de 5%.

Contribuíram para o nervosismo as declarações do presidente do Federal Reserve (Fed, o BC americano) de Dallas, Richard Fisher, de que a expansão da economia será pífia.

- Acho que é bastante provável que vamos enfrentar um crescimento anêmico no trimestre corrente e talvez nos dois seguintes - disse ele.

Mais demissões nos Estados Unidos

O governo dos EUA informou que os pedidos de seguro-desemprego tiveram alta de 15 mil semana passada, atingindo 444 mil. As estimativas eram que recuassem de 429 mil para 420 mil. Atualmente, há 3,435 milhões de americanos recebendo seguro-desemprego, o maior patamar desde novembro de 2003. Já uma pesquisa da consultora ADP mostrou que as empresas eliminaram 33 mil postos de trabalho mês passado, acima das projeções, de 30 mil. Hoje o governo divulgará o índice de desemprego de agosto. Analistas prevêem que fique estável em 5,7%, com 75 mil demissões no mês.

Esses dados ofuscaram a alta do setor de serviços, que representa quase 90% da economia americana. O índice do Instituto de Gerenciamento de Estoques passou de 49,5 para 50,6 pontos em agosto. Uma leitura acima de 50 indica expansão.

(*) Com Bloomberg News e agências internacionais