Título: A âncora dos alimentos
Autor: Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 06/09/2008, Economia, p. 27

Adona-de-casa Felicidade Perpétua Brandão já percebeu no seu carrinho de compras os preços mais baixos de vários alimentos que apareceram no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado ontem pelo IBGE. A taxa de inflação que orienta o sistema de metas do governo caiu à metade - de 0,53% em julho para 0,28% em agosto - justamente puxada pela queda de preços dos alimentos de 0,18%, fenômeno que não acontecia desde junho de 2006, quando a queda chegou a 0,61%. Foi o menor IPCA desde setembro de 2007. No ano, a inflação medida pelo IBGE acumulou alta de 4,48%, ainda dentro do centro da meta, de 4,5%. No acumulado dos últimos 12 meses, o índice teve o primeiro recuo no ano, caindo de 6,37% em julho para 6,17% no mês passado. Se o ano acabasse em agosto, o teto da banda fixada de 6,5% não teria sido ultrapassado.

- O fator determinante para a inflação mais baixa foi a queda nos preços dos alimentos. As cotações internacionais de vários itens acabaram influenciando os preços domésticos, o que, junto com a boa safra agrícola, ajudou a derrubar a inflação. Houve queda generalizada - explicou Irene Maria Machado, gerente de pesquisa da Coordenação de Índice de Preços do IBGE.

Descontando as variações da comida fora de casa, os alimentos ficaram 0,64% mais baratos. Felicidade percebeu que caíram os preços de feijão, arroz, batata e tomate, mas reclama da alta dos últimos meses, que deixaram a comida muito cara.

- Os hortifruti em geral ficaram mais baratos. Outros produtos como arroz, que custava R$2,70 o quilo, baixou para R$2,50. Mas a carne e o leite continuam muito caros. Gastava R$50 por semana, agora cheguei a gastar o dobro.

Para o economista-chefe da Corretora Concórdia, Elson Teles, outro fator ajudou a conter os preços dos alimentos: a própria inflação.

- Quando os preços sobem muito, os consumidores ficam mais seletivos, cortam itens, trocam por marcas mais baratas. A demanda de tubérculos caiu muito.

BC deverá manter aumento de juros

No índice de agosto, os sinais trocaram. A alimentação, vilã da inflação este ano, deu lugar aos preços administrados. O telefone fixo, que teve reajuste autorizado pelo governo de 3% em 23 de julho, apareceu no IPCA de agosto com alta de 2,27%. A energia elétrica também ganhou espaço: alta de 1,03%. Mesmo assim, houve alívio nas contas de telefone móvel. Com mais peso no orçamento doméstico, tiveram queda de 2,54%.

- Isso segurou a inflação dos administrados, junto com a redução no preço dos remédios de 0,41% - disse Teles.

O cenário da inflação bem melhor que o de meses atrás não fará o Banco Central (BC) reduzir o ritmo de alta da Taxa Selic, atualmente em 13%. Na próxima reunião, na semana que vem, o mercado prevê alta de mais 0,75 ponto percentual na taxa.

- Ainda há muitas incertezas, principalmente no cenário internacional. O problema está nos preços livres. Estão em processo de alta, como os duráveis. No mesmo mês do ano passado, os preços desse grupo tinham caído 1%. Agora subiram o mesmo percentual. O aço subiu muito - afirmou o economista da Concórdia.

Teles estima que a Taxa Selic, que vem subindo desde abril, alcance 14,75% em dezembro. Na opinião do diretor do Instituto de Economia da UFRJ, João Saboia, o avanço nos juros era desnecessário e o IPCA de agosto mostrou isso:

- A aceleração da inflação na primeira metade do ano foi puxada pelo preço das commodities agrícolas. Com a queda dos preços dos alimentos, o IPCA caminhará lentamente para o centro da meta independentemente de qualquer alta de juro. A demanda permanece no mesmo nível de 2007 e a economia tem todas as condições de continuar crescendo a taxas próximas de 5% ao ano sem maiores pressões inflacionárias.

Para os mais pobres, preços caem mais

Para setembro, economistas esperam alimentação mais barata ou estável. E o estouro da meta de inflação virou coisa do passado.

- O cenário melhorou bastante. Mais de 80% do mercado prevêem que a inflação ficará abaixo de 6,5%. Isso melhora também a trajetória para 2009 - disse Teles.

Com a alimentação em queda, o INPC, que mede os preços para famílias com ganhos até seis salários mínimos, subiu menos em agosto: 0,21%. Em julho, fora de 0,58%.