Título: Na carona das vans ilegais
Autor: Magalhães, Luiz Ernesto; Duarte, Alessandra
Fonte: O Globo, 09/09/2008, O País, p. 3

Depois de quatro candidatos a prefeito - Marcelo Crivella (PRB), Jandira Feghali (PCdoB), Solange Amaral (DEM) e Paulo Ramos (PDT) - assinarem documento se comprometendo a livrar as vans da fiscalização do Departamento de Transportes Rodoviários do Estado do Rio (Detro), o prefeito Cesar Maia (DEM) ontem tentou desqualificar o presidente do órgão, Rogério Onofre. O Detro é hoje o único órgão que fiscaliza e reprime o transporte ilegal, resultado de um convênio assinado pelo próprio Cesar com o governo Sérgio Cabral no ano passado. Os candidatos prometeram a donos de vans revogar o convênio. E Cesar, engajado na campanha de Solange, partiu para o ataque a Onofre.

O prefeito, eleito em 2000 com a promessa de legalizar o transporte clandestino e que deixará o cargo oito anos depois sem licitar o serviço, disse que Onofre foi condenado por improbidade administrativa quando foi prefeito de Paraíba do Sul, e por isso estaria impedido de dirigir o Detro.

- O presidente do Detro perdeu os direitos políticos por três anos. Com este currículo, foi nomeado para o Detro do Cabral - disse Cesar.

A sentença da 1ª Comarca de Paraíba do Sul, porém, é de junho passado, posterior à nomeação, em janeiro de 2007. Além disso, a decisão não é definitiva. Onofre entrou com recurso no Tribunal de Justiça.

Na ação, em que também foi condenado o ex-secretário municipal de Fazenda de Paraíba do Sul Frederico Augusto Marques, eles são acusados pelo Ministério Público de transferir funcionários públicos por perseguição política. Onofre afirma que o objetivo era punir maus funcionários.

- Os servidores foram transferidos porque não queriam trabalhar. Interpreto esse ataque (de Cesar) como o desespero próprio de um político cuja candidata tem poucas chances de chegar ao segundo turno. Saí da prefeitura com 92% de aprovação e fiz meu sucessor - reagiu Onofre.

O governador também saiu em defesa do auxiliar, sem entrar no mérito da questão judicial:

- O presidente do Detro é honesto e corajoso. Está fazendo excelente trabalho à frente do órgão, fiscalizando e combatendo irregularidades em vans e ônibus - disse.

Lucro com multas é partilhado

O convênio que permite ao Detro fiscalizar as vans foi assinado entre Cesar e Cabral em 2007. Ontem, o prefeito disse que desde junho não permite que guardas municipais participem de blitz do Detro e que as multas aplicadas após 18 de junho, quando saiu a sentença contra Onofre, são questionáveis judicialmente. Mas o prefeito não tem planos de rever o convênio assinado com Cabral, pelo qual transferiu a fiscalização do transporte alternativo da Secretaria Municipal de Transportes para o Detro.

O acordo garantiu receitas para ambos. As multas por transporte irregular ficam para o estado. A prefeitura fica com a arrecadação das multas por outras infrações, como parada e estacionamento em locais proibidos (descontados 5% para o Fundo Nacional de Educação para o Trânsito e R$34 pelo acesso da prefeitura ao cadastro do Detran).

O Rio tem hoje cerca de 16 mil vans, entre cadastradas na prefeitura e piratas disputando passageiros pelas ruas da cidade, segundo estimativa do Sindicato das Cooperativas de Transporte Público Coletivo de Passageiros do Município (Sindtrasnrio). O processo de regularização do serviço já dura 12 anos. Entre 1997 e 2000, no governo de Luiz Paulo Conde, a estratégia era de repressão. A prefeitura permitia apenas a regularização das vans para fazer fretamento (transporte turístico).

Em 2001, Cesar assumiu prometendo regularizar o serviço. Mas o processo parou na primeira fase, que consistia na concessão de uma autorização provisória. Os últimos oito anos foram marcados também pelo aumento da informalidade no setor. Milícias e traficantes passaram a cobrar pedágio dos motoristas - regularizados ou não - para que circulem por áreas de risco na cidade. A briga pelo comando de cooperativas ou pontos de vans - que em muitos casos envolveram a participação de policiais - já fez mais de cem mortes nos últimos anos, segundo estimativas da polícia.

Rio tem 16 mil vans, só 5 mil com licença

Entre as vítimas da guerra do transporte pirata está até um executivo da prefeitura. Há quatro anos, o então chefe de gabinete da Superintendência Municipal de Transportes Urbanos (SMTU), Paulo Roberto da Costa Paiva, que fiscalizava o transporte alternativo, foi assassinado. Dois anos depois, o prefeito Cesar Maia extinguiu a estrutura da SMTU.

Das 16 mil vans em circulação, apenas 5.850 têm licença temporária desde 2001 para circular pela cidade, em trajetos não licitados. Mas esse número pode chegar a 7.500 até dezembro, graças a um decreto do prefeito Cesar Maia editado no início deste ano e determina um novo recadastramento.

Ontem, mais quatro candidatos se manifestaram sobre o assunto. Eduardo Paes (PMDB), Alessandro Molon (PT), Fernando Gabeira (PV) e Chico Alencar (PSOL) defenderam a fiscalização do transporte alternativo. A divergência entre eles é de Chico, para quem o Detro deveria ser substituído no futuro por fiscais da prefeitura.

- O transporte alternativo tem que ser complementar ao dos ônibus. Vamos licitar e legalizar - disse Eduardo Paes.

Molon afirmou que, se eleito, manterá a fiscalização pelo Detro e licitará as linhas de vans:

-Vamos colocar as vans como linhas de transporte complementar. Após a licitação, essas vans aceitarão o bilhete único. Isso também vai inibir os ilegais. Isso porque, como os piratas não poderão usar o sistema, terão passagens mais caras.

Gabeira disse desconhecer a reunião com os donos de vans.

- Não fui convidado. Mas não há hipótese de não haver fiscalização. Ela continuará sendo feita pelo Detro. Para esclarecer qualquer dificuldade, criaremos na prefeitura uma ouvidoria para saber se está havendo excessos. Minha posição é de reorganizar o sistema de transporte coletivo do Rio. Vamos licitar as vans e adequá-las ao bilhete único - disse.

COLABORARAM: Isabela Bastos e Waleska Borges