Título: 'Eu gastaria R$500 milhões com a Cidade da Música'
Autor:
Fonte: O Globo, 09/09/2008, O País, p. 12
Solange Amaral defende a gestão de Cesar Maia, diz que a cidade não está tão mal e culpa outros governos por problemas
"Não está bom, nem está ruim, precisa melhorar". A frase deu o tom da entrevista da deputada federal Solange Amaral, ontem à tarde, no GLOBO, abrindo a série de sabatinas com candidatos a prefeito do Rio. Ex-subprefeita da Zona Sul e ex-secretária de Habitação, Solange, candidata à prefeitura pelo DEM, do prefeito Cesar Maia, tentou, durante duas horas, defender a atual administração, jogando para os governos estadual e federal a responsabilidade pelos problemas, desde os buracos até a crise na saúde.
A senhora gastaria R$500 milhões com a Cidade da Música?
SOLANGE AMARAL: Gastaria, mas não em publicidade, com páginas e páginas de revista. Eu acho que a cidade vai se orgulhar muito da Cidade da Música, projeto de um dos cinco maiores arquitetos do mundo, Christian de Portzamparc. É uma obra muito importante. Quando se construiu o Maracanã, foi um colosso polêmico. Quando se fez o Sambódromo, também. A Barra da Tijuca precisava de um investimento dessa importância. A nossa casa de ópera mais importante (Teatro Municipal) vai fazer cem anos em 2009.
Com os R$500 milhões da Cidade da Música, poderiam ser feitas duas estações de metrô ou mais obras. A opção não era essa, gastar em publicidade ou não. E sim fazer a Cidade da Música ou duas estações de metrô, ou o T-5, deixar uma obra de infra-estrutura para o Rio.
SOLANGE: Alguns avanços na área de integração foram feitos. Não são obras, necessariamente. Por exemplo, o bilhete único, em que se precisa avançar muito, só pode ser feito com um entrosamento entre os governos, porque o estado tem a concessão das barcas, da Supervia, e o próprio metrô é concessão estadual. É um avanço grande. O bilhete único não é necessariamente uma obra. A integração de transporte que foi feita como ônibus-metrô, ônibus-barca, ônibus-ônibus, não é obra civil, mas é uma ação importante na questão dos transportes.
No início, a obra da Cidade da Música estava orçada em R$80 milhões e já chegou a R$500 milhões com previsão de mais gasto. Faltou planejamento?
SOLANGE: Uma obra desse tamanho só pode ser feita por partes. Certamente, uma licitação inicial não poderia prever todas as necessidades. Ainda é possível que haja outras, vai depender do edital da concessão. Eu defendo a Cidade da Música e sei que é polêmica. Não seria facilmente compreendida, é muitíssimo importante e aposta no Rio como cidade internacional e turística.
O Rio parece a cidade dos buracos. Isso não é falta de cuidado? Qual é a dificuldade para cuidar das coisas mais básicas?
SOLANGE: A falta de investimento da Cedae na manutenção da cidade é uma coisa grave. A gente paga tributo de água e esgoto, e a Cedae não renova, vai só depois do buraco. Tem que se investir sempre nisso. Sempre cuidei disso, comecei como subprefeita. Temos que investir todo o tempo. Não está bom, nem está ruim, precisa melhorar.
E sobre a Guarda Municipal?
SOLANGE: É preciso aumentar o efetivo, ampliar a presença nas ruas. Mas sou contra armar a Guarda Municipal, tem que ter mais tecnologia.
Por que a Guarda não aplica multas em ônibus municipais, que sempre cometem infrações de trânsito, fazendo verdadeiros paredões de veículos nas ruas?
SOLANGE: Era bom, mas por que você diz que não multa? Também há paredões de caminhões, e foi uma decisão acertada do prefeito a de ordenar a carga e descarga deles. A prefeitura estabeleceu um edital para a licitação de ônibus, e as empresas conseguem liminares na Justiça. Tem candidato que fala em cancelar. O prefeito Conde prorrogou a licitação. A indústria de liminar atrapalha.
O Cesar Maia não teve tempo para licitar as vans também?
SOLANGE: Não pode licitar o complementar antes do principal. A concessão dos ônibus tem que ser licitada.
O bilhete único foi promessa do Cesar Maia há quatro anos. Não teve tempo para fazer?
SOLANGE: A prefeitura de São Paulo deu subsídio de R$500 milhões para as empresas de ônibus. Esse raciocínio defende que o poder público entregue na mão das concessionárias dinheiro público. Acho grave.
E a permissão para que as vans exibam publicidade? Não é um tipo de subsídio para um transporte que sequer tem concessão?
SOLANGE: Está numa lei de 2002, mas tem que se combater a pirataria em táxis, vans e ônibus.
A senhora assinou no domingo um documento com representantes de vans que é contrário à fiscalização do Detro para esse tipo de transporte.
SOLANGE: Não falei que sou contra o decreto sobre o Detro. Acho que a prefeitura tem que ter seus critérios. Assinei o documento sobre o transporte especial complementar e acho que o Detro não caminha bem, comete irregularida des, agressões. Não se vai resolver o problema dos transportes assim. Há formas de integrar e compensar as diversas empresas de transporte. Subsídio, certamente não.
A prefeitura fiscaliza as vans no Rio? Qual órgão?
SOLANGE: Fiscaliza. Se trata de combater pirataria. Tem táxi, ônibus, van e Kombi piratas. A Secretaria de Transportes fiscaliza, já foi a SMTU.
Há quantos fiscais nessa área?
SOLANGE: Vocês devem saber melhor do que eu, não sei. Há quem diga que são 18, 32, 27. Podem estar de licença dois ou três. A prefeitura tenta fiscalizar. É difícil, não é simples.
O Rio sediou há duas semanas a corrida de um milhão de dólares, do Nizan Guanaes. Ano que vem o prêmio será de um milhão de euros. Só que o autódromo está muito abaixo desse um milhão de dólares ou de euros. Há uma briga antiga do COB querendo acabar com o autódromo. A senhora vai manter o autódromo onde ele está? Estaria disposta a reformar o autódromo?
SOLANGE: Sabe qual é o projeto hoje do autódromo? É levá-lo para Deodoro.
A senhora acha isso bom?
SOLANGE: Acho, porque tem área disponível, uma área do governo federal. Uma área que durante o Pan ficou a meia bomba, fizeram ali uns galpões.
A senhora acha que o Nizan Guanaes faria a prova de um milhão de euros em Deodoro?
SOLANGE: Acho que o Nizan Guanaes gosta muito é do negócio dele. Ele é apaixonado pelo Rio porque o Rio tem a ver com o projeto dele, mais do que outras cidades.
O problema é que esse projeto pode significar o fim do autódromo...
SOLANGE: Eu sou candidata a prefeito, não posso ficar aqui querendo ter idéias originais sobre tudo, tem que buscar os setores, tem que procurar ser o generalista que resolva as questões. O que o COB trouxe e que está no Rio 2016 é o autódromo em Deodoro. Tem uma questão boa para a cidade, que é descentralizar o investimento; se ficar só fazendo investimento novo na Barra você não garante um entrosamento maior da cidade. O fato de o Engenhão não ter sido feito na Barra foi um acerto.
O legado do Pan é discutível. Essas propostas ficam mesmo que o Rio não seja escolhido para as Olimpíadas?
SOLANGE: Não concordo que não houve legado, vamos ter o jogo do Brasil no Engenhão. A própria Supervia fez a reforma de uma estação.
Mas o Engenhão não promoveu a recuperação do bairro, que continua degradado.
SOLANGE: Muitas coisas foram feitas, o Engenhão, a nova estação do trem da Supervia. Hoje, o metro quadrado valorizou muito na região. Tem um ano do Pan, acho que melhorias vão acontecer e vêm acontecendo. Duas mais visíveis: um grande estádio e a nova estação de trem. Certamente, temos que fazer mais, urbanizar, é preciso melhorar a oferta de lazer e cultura. A cidade nem lembrava que existia aquela área. Depois do estádio, passou a ser alvo de discussão, o que é muito bom.
Qual é a prioridade número um do Rio de Janeiro? Se a senhora tivesse R$500 milhões, onde investiria na cidade?
SOLANGE: Honraria todos os compromissos com os servidores públicos, aposentados e ativos, que são os parceiros da prefeitura. O primeiro dinheiro é para pagar aos servidores e garantir os seus direitos, como plano de saúde e carta de crédito.
Isso está previsto no orçamento da prefeitura. E se fosse um investimento na cidade?
SOLANGE: Saúde e transporte, acho que são as duas áreas em que precisamos avançar mais.
Então por que a gestão Cesar Maia não avançou? Antes de assumir, ele disse que priorizaria exatamente essas duas áreas.
SOLANGE: Não disse que não avançou, disse que eu avançaria mais. Por exemplo: foi feito o Hospital de Acari, que atende 500 pessoas por dia com hora marcada. Mas acho que precisa avançar mais.
O atual governo tratou de saúde e transporte como prioridades?
SOLANGE: Em relação à saúde, sim. O desafio de cuidar da cidade do Rio é pensar no que é muito grande e no que é pequeno. Da creche à vaga na escola, e da vocação internacional da cidade. Essas duas áreas têm recursos garantidos constitucionalmente, 25% para a educação e 15% para a saúde. A cidade garantiu esses investimentos, realizou outras ações.
O balanço é positivo?
SOLANGE: A intervenção de 2005, do governo federal no Rio, foi uma agressão que nem a ditadura foi capaz de fazer. Foi um decreto assinado pelo presidente da República, ele disse que resolveria todos os problemas da saúde. Não aconteceu nada. Não estou dizendo que estava boa (a saúde). Temos problemas na saúde e no transporte.
E sobre os transportes?
SOLANGE: Temos as três linhas defendidas pelo Comitê Olímpico Brasileiro para o Rio 2016: o corredor T-5, entre Avenida Brasil, Avenida das Américas, Penha, Madureira, Jacarepaguá e Barra da Tijuca; a Linha 4 do metrô até a Barra. O COB defende uma linha Barra-Zona Sul a partir do metrô na General Osório, e também Barra, Bangu e Deodoro.
Candidata defende Cesar e ataca Paes e Cabral
"Em quem acreditamos? No que chamava Lula de quadrilheiro ou no que agora diz que quer alianças?", ironiza, atacando o adversário
Se as pesquisas estiverem certas e se a eleição fosse hoje, a senhora apoiaria Eduardo Paes ou Marcelo Crivella no segundo turno?
SOLANGE: Estarei no segundo turno, a eleição não é hoje, é daqui a um mês. Uma coisa que está me impressionando é como o processo eleitoral está frio, como as pessoas não estão participando da eleição. Você tem quase 40% de indecisos.
A senhora acha que o desinteresse do eleitor é por causa da falta de propaganda ou desilusão?
SOLANGE: Tenho certeza de que é desilusão com a política. Porque é algema, prisão, e aí as pessoas tomam essas exceções pelo todo. A eleição do Rio tem características diferentes da de São Paulo. Lá tem dois ex-governadores, uma ex-prefeita e um atual prefeito. No Rio, não...
Mas participaram das últimas eleições...
SOLANGE: Mas nenhum de nós foi prefeito ou governador. As pessoas ficam tentando entender quem está com quem, quem defende o quê.
As pessoas associam a senhora ao Cesar hoje?
SOLANGE: Isso a TV está ajudando, até porque o atual candidato do PMDB se comporta como se fosse Cesar Maia. Outro dia ouvi na rua: "Ele quer ser o Cabraia: ter a simpatia do Cabral e os acertos do Cesar Maia". Hoje eu já ouvi: "Traíra...". Eu falei "Ôpa, eu imagino com quem seja"...
Então o pessoal está mobilizado...
SOLANGE: Está melhorando (risos). Hoje encontrei uma senhora que me falou: "Eu e meu marido somos servidores municipais. Na época do Saturnino, quase passamos fome. Vamos votar em você. Porque servidor público, vira e mexe, não tem décimo terceiro, não tem reajuste".
A senhora se envergonha da degradação no caminho para o Galeão pela Linha Vermelha?
SOLANGE: Não sinto vergonha, só orgulho. É importante para o turista, mas não mais do que o Sambódromo e a Cidade do Samba. O mundo diz que o Rio melhorou, fizemos o Pan com padrão olímpico. O Comitê Olímpico Internacional colocou a cidade como finalista. Tentávamos há um século. A nota mais baixa foi a da segurança. Temos que ajudar o governo estadual, que está descontrolado. Temos que fazer união entre os governos, e isso não é um piquenique de fofuras. O Ibama precisa tirar as garras do Parque da Tijuca. Não fui eu que chamei o presidente Lula de chefe de quadrilha, quero trabalhar sem agressões nem fofuras.
A prefeitura não poderia deter a verticalização e a expansão das favelas em áreas verdes?
SOLANGE: Na Floresta da Tijuca, é preciso que o governo federal autorize.
Mas o prefeito diz que não pode controlar.
SOLANGE: Pergunte para ele.
A senhora não é candidata dele?
SOLANGE: Eu sou a Solange Amaral, deputada federal. Conto com o apoio do prefeito, e ele ajuda. É um governo de realizações que sofre críticas.
A senhora preferiria ser candidata do governador Sérgio Cabral?
SOLANGE: Eu tenho lado, não se trata de preferência. Não digo que um é chefe de quadrilha num dia, e no outro que é o melhor dirigente do mundo. Não vou futucar dizendo que tem contas da dona Marisa no exterior. A traição não faz parte da minha política. Em quem acreditamos? No que chamava o Lula de quadrilheiro, ou no que agora diz que quer alianças?
Falamos de saúde, e a senhora lembrou da intervenção federal; do buraco da esquina, e foi lembrado o buracão da Cedae; de meninos de rua, e a senhora falou da Fundação Leão XIII; da segurança, e a senhora disse que o estado está completamente perdido; de áreas verdes e favelização, e o Ibama foi acusado de não cumprir o papel dele. A prefeitura tem alguma responsabilidade por alguma mazela da cidade? Se os governos federal e estadual são tão decisivos, para que ser candidata a prefeita?
SOLANGE: A cidade não tem toda a gestão. São 20 hospitais federais e estaduais. Mas falei do Hospital de Acari, do Remédio em Casa, do Favela-Bairro. Até o PAC acompanha o modelo da cidade do Rio de 93 e 94. A cidade do Rio tem gestão de muita coisa. Na segurança pública menos, mas quero ajudar, adquirindo câmeras. A política do enfrentamento matou muita gente, e no que resultou? Há um descontrole completo. A gente tem que, a todo momento, lembrar das participações do governo do estado, federal e da prefeitura. Temos que trabalhar junto e lembrar das responsabilidades.
Participaram da entrevista: Antônio Nascimento (editor de Esportes), Artur Xexéo (editor do Segundo Caderno), Ascânio Seleme (editor executivo), Cristina Alves (editora de Economia), Fernanda Godoy (editora assistente), Flávio Tabak (repórter de País), Helena Celestino (editora executiva), Luiz Novaes (editor executivo), Paulo Marqueiro (repórter da Rio), Paulo Motta (editor da Rio), Rodolfo Fernandes (diretor de Redação), Silvia Fonseca (editora de O País).
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