Título: Jogo de interesse na CPI
Autor: Brito, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 26/05/2009, Política, p. 02

Governo e oposição se armam para o embate na comissão de inquérito. Do lado do Planalto, aliados montam dossiês com possíveis denúncias contra a administração de Fernando Henrique Cardoso no setor

Num lance que se assemelha a uma guerra fria, senadores da base aliada começaram a montar a estratégia para barrar o ímpeto da oposição em investigar na CPI as suspeitas de irregularidades contra a Petrobras, suas subsidiárias e a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Além do controle dos cargos de presidente e relator da comissão, os governistas já decidiram que recorrerão a documentos da própria empresa quando era comandada por tucanos e ex-pefelistas, no governo Fernando Henrique Cardos (1995-2002), para fustigá-los. São dois os recados. O primeiro é que a oposição pode se complicar se forem desenterrados ¿esqueletos¿ dos apadrinhados da era FHC. O segundo é que, em ano pré-eleitoral, é arriscado mexer com fornecedores da Petrobras, a maioria dos quais estão entre os principais financiadores de campanha de todos os partidos.

¿Ninguém da oposição vai poder se fingir de morto, como se não tivesse relações com essas empresas, mas também não poderá ser o Torquemada, como esbravejam¿, anuncia um senador governista atento aos movimentos da CPI. ¿Não tenha dúvida que os dois lados estão se armando¿, acrescentou parlamentar, para quem a Petrobras deve, se for necessário, repassar informações para que a base aliada use contra a oposição. ¿O governo vai perder seu tempo se tentar intimidar os membros da oposição com suspeitinhas¿, rebate o líder do DEM no Senado, José Agripino Maia (RN). ¿Essa história é um retrocesso aos tempos do Estado Novo¿, completa, referindo-se ao período ditatorial do ex-presidente Getúlio Vargas (1937-45).

Na base aliada, PT, PMDB e PCdoB são atualmente os partidos com o maior número de apadrinhados políticos no setor petrolífero. Desde o início do governo Luiz Inácio Lula da Silva, os petistas controlam a Petrobras e as principais subsdiárias da estatal. Com a mudança de Dilma Rousseff do Ministério de Minas e Energia para a Casa Civil, em 2005, os petistas se digladiam com os peemedebistas para manter o setor sob sua área de influência. Os comunistas, por sua vez, têm ascendência na ANP. No governo FHC, o ministério era da cota do antigo PFL, hoje DEM, e a agência reguladora, criada em 1998, era zona da influência do tucanato (veja quadro).

Diante desse cenário, os oposicionistas apostam que o PMDB será o fiel da balança. Não é à toa que o líder da bancada peemedebista, Renan Calheiros (AL), espera até o último momento a fim de indicar os nomes do partido para as investigações. Ele não quer dar aos petistas a presidência nem a relatoria da CPI. ¿Se Renan Calheiros não for atendido no que está querendo, a situação pode se complicar para o governo¿, diz o senador peemedebista Jarbas Vasconcelos (PE), que faz oposição ao governo.

Sem licitação Além do rateio de postos entre legendas, a investigação também pode esbarrar, segundo entendidos do setor, nos critérios para aferir se houve irregularidades em licitações. Na maioria das concorrências da Petrobras, os governos FHC e Lula ignoraram, respaldados em decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), a exigência de abrirem concorrências públicas para contratação de empresas. Sob o petista, foram R$ 47 bilhões de contratos sem licitação e, em dois anos do tucano (2001-2), outros R$ 25 bilhões. A mesma prática ocorreu nas contratações de ONGs e outras entidades. ¿A Lei de Licitações não é válida para esses contratos¿, afirmou um governista.

¿O governo quer fazer uma investigação séria, mas não quer perder o controle da apuração¿, afirmou o senador Renato Casagrande (PSB-ES), que considera ainda ¿muito disperso¿ quais serão as suspeitas a serem apuradas pela CPI. Ao contrário de outros governistas admitem reservadamente, Casagrande não acredita que os apadrinhamentos e as doações eleitorais para políticos de variados partidos inibirão as investigações. Nas eleições de 2006, três importantes empreiteiras com contratos com a estatal, a Camargo Corrêa, a OAS e a Norberto Odebrecht, injetaram R$ 15 milhões em candidatos da base e da oposição. ¿Não vejo impeditivo¿, afirmou o senador Heráclito Fortes (DEM-PI).

Os alvos A CPI da Petrobras terá como missão apurar, no prazo de 180 dias, supostas irregularidades envolvendo a estatal e a Agência Nacional do Petróleo (ANP):

Indícios de fraudes em licitações para reforma de plataformas de exploração de petróleo, investigados na Operação Águas Profundas pela Polícia Federal

Possíveis irregularidades nos contratos de construção de plataformas, apontadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU)

Desvio de dinheiro dos royalties do petróleo, que também foram investigados pela PF

Denúncias de fraudes investigadas pelo Ministério Público Federal envolvendo pagamentos e indenizações feitos pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a usineiros

Denúncias de uso de artifícios contábeis que resultaram em redução do recolhimento de impostos e contribuições no valor de R$ 4,3 bilhões

Supostas irregularidades no uso de verbas de patrocínio da estatal