Título: Favela blindada
Autor: Schmidt, Selma
Fonte: O Globo, 10/09/2008, Rio, p. 17
Moradores do Morro do Fogueteiro reforçam paredes de prédio e constroem muro para evitar tiros
Selma Schmidt
Aprefeitura construiu e abandonou o que deveria ser uma creche e o que foi uma praça, na linha de tiro do Morro do Fogueteiro, com trechos em Santa Teresa, Rio Comprido e Catumbi. A Associação de Moradores do Fogueteiro correu atrás de contribuições e, se valendo de uma estratégia de blindagem usada pela classe média para se proteger, começa a aproveitar os espaços, que são vizinhos. O prédio de quatro andares, planejado para ser uma creche, foi blindado e passou a ser usado pela associação e para cursos voltados para crianças. No lugar da praça e de um pequeno campo, onde aconteciam bailes funk, está sendo implantada uma megaquadra coberta, protegida por um muro de eventuais tiros de bandidos do Morro do Querosene, controlado por uma facção rival.
¿ O pessoal da fábrica em Niterói que nos doou as placas de concreto disse que o material resiste a tiro de fuzil. As placas se encaixam e são presas por parafusos. São pesadas e têm ferro dentro. Instalamos no prédio da creche há cerca de seis meses. Graças a Deus, até hoje não houve confronto e não testamos ¿ contou a presidente da associação, Cintia Luna.
Já o muro erguido em frente à nova quadra é de um material diferente. Foi construído com tijolos e cimento, segundo Cintia.
São salgados os preços que moradores de Copacabana, Leme, Ipanema e Tijuca pagam para proteger seus apartamentos de balas perdidas. Os valores da blindagem variam de acordo com o material e a empresa contratada. Na Rua Gustavo Sampaio, no Leme, por exemplo, um morador, que é vizinho às favelas da Babilônia e do Chapéu Mangueira, revelou ter gasto R$4.700 para revestir as paredes do escritório e do quarto do filho com placas de aço encomendadas a uma metalúrgica.
Prefeitura desistiu de centro social
Segundo a Secretaria municipal de Habitação, as obras do projeto Bairrinho no Fogueteiro ¿ que incluem a praça e a creche ¿ começaram em fevereiro de 2000. À exceção da creche, que ficou pronta em 2004, o restante foi entregue em outubro de 2003.
¿ A secretária de Educação, Sonia Mograbi, nos informou que nunca aceitaria que ali virasse uma creche, pois é área de risco. O interessante é que a realidade de nossa comunidade é igual há anos, antes da construção do prédio ¿ criticou Cintia.
A tentativa de ocupar o prédio com um Centro de Referência da Assistência Social (CRA) ¿ onde são desenvolvidos programas de capacitação profissional e de aumento da escolaridade, entre outros ¿ também não evoluiu. O secretário municipal de Assistência Social, Marcelo Garcia, chegou a visitar o local, mas acabou desistindo de ocupá-lo.
¿ Mandei pintar. Dois dias depois, o prédio estava furado de bala. O lugar é perigoso e de difícil acesso. Como poderia colocar meus funcionários e crianças ali para serem baleados? ¿ indagou Marcelo Garcia, acrescentando que os CRAs em favelas (20 de um total de 70) fecham eventualmente por causa de conflitos, mas reabrem.
O prédio é bem estruturado. Tem seis salas, refeitório e banheiros adaptados para o público infantil. No lugar, subutilizado, são dadas aulas de dança de salão, luta e reforço escolar.
Sem licença das secretarias municipais de Habitação e de Urbanismo, está sendo construída a quadra de 70 metros de comprimento por 55 de largura no Fogueteiro. A obra é feita com doações, de dinheiro e principalmente de material de construção. Alguns dos principais doadores, disse Cintia, são pessoas envolvidas com o baile funk que era realizado no alto do morro aos sábados.
¿ São 50 barraqueiros que vendem de água a bebidas sofisticadas e comidas diversas. Temos os mototaxistas que ganham seu dinheiro com as corridas, tanto para subir como para descer com os freqüentadores. Temos ainda os motoristas das Kombis. O problema era quando chovia. Então, reuni todos e mostrei a necessidade de cobrirmos a quadra para que os bailes não parassem e, também, pudéssemos ter atividades para as crianças ¿ afirmou Cintia, informando que o custo da obra é de R$200 mil.
Outro doador para as obras da quadra é o Instituto Social Luiz Fernando Petra, nome de um candidato a deputado estadual assassinado em 2002. Ana Helena Rossi Coelho, viúva e presidente da ONG, negou vinculações políticas do instituto. O mesmo fez Duda Petra ¿ irmão de Luiz e dono domínio do site institutopetra.org.br ¿, que é candidato a vereador.
Quando as obras estiverem concluídas, a associação do Fogueteiro, vai ao 1º BPM (Estácio) pedir a legalização do baile. Só que o comandante tenente-coronel Carlos Mendes jogou um balde de água fria:
¿ É impossível a PM dar autorização para baile funk.