Título: Dias sombrios no império
Autor: Frisch, Felipe
Fonte: O Globo, 10/09/2008, Economia, p. 25

AMEAÇA GLOBAL

Bovespa despenca e dólar dispara com perspectivas de agravamento da crise nos EUA

Felipe Frisch*

As bolsas de todo o mundo voltaram a registrar fortes perdas ontem devido ao temor de que a crise das hipotecas nos Estados Unidos leve à desaceleração da economia global - e, talvez, a uma recessão. No Brasil, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) registrou queda de 4,50%, a maior desde 19 de março e a terceira maior do ano em um dia. Com isso, o índice voltou para abaixo dos 50 mil pontos: encerrou aos 48.435, a menor pontuação desde 16 de agosto de 2007. O dólar fechou o dia com valorização de 2,13%, a R$1,772, a maior cotação desde 31 de janeiro. A queda da moeda americana no ano foi praticamente zerada, ficando em apenas 0,28%. Este mês, o dólar acumula alta de 8,38%.

Em Wall Street, o índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, teve queda de 2,43%, puxado pelas ações do Lehman Brothers, que despencaram 44,95% com preocupações sobre a saúde financeira do banco. Nasdaq e S&P 500 caíram 2,64% e 3,41%, respectivamente. O Lehman caiu depois que a agência de notícias Dow Jones informou que as negociações deste com o Banco de Desenvolvimento da Coréia teriam sido suspensas. Com isso, investidores temeram que o Lehman não conseguisse capital para sobreviver. O banco coreano negou a notícia. Mas o estrago foi feito e arrastou outros papéis do setor: Wachovia (-14,48%), Merrill Lynch (-10,26%), Citigroup (-7%) e Wells Fargo (-7,12%), entre outros. O Wells Fargo, aliás, passou o Citi em valor de mercado, segundo a Bloomberg News, tornando-se o terceiro maior banco dos EUA, atrás de Bank of America e JPMorgan.

Fábio Cardoso, da consultoria Adinvest, questiona a falta de fundamento na queda da Bovespa, que já chega a 34% desde o recorde de 20 de maio, aos 73.516 pontos:

- A economia pode desacelerar no segundo semestre, mas será que o lucro médio das empresas vai cair 35% nos próximos anos? Algumas ações de siderurgia recuam mais de 40%. Será que o lucro da Gerdau vai cair 50%?

As bolsas asiáticas abriram em queda com a constatação de que a intervenção do governo americano nas gigantes de hipotecas Fannie Mae e Freddie Mac, anunciada no último domingo, não resolve os problemas do mercado. Em Tóquio, o Nikkei caiu 1,8%. O Hang Seng, de Hong Kong, recuou 1,46% e Taiwan, 3,51%.

O índice FTSE, da Bolsa de Londres, teve queda de 0,56%, puxada por papéis de mineradoras. A Anglo American caiu 6,1% e a BHP Billiton, 5,1%. O DAX, de Frankfurt, recuou 0,48%, e o CAC, de Paris, 1,08%.

Apesar dessas quedas, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Ben Bernanke, não fez qualquer comentário sobre o resgate de Fannie e Freddie ou a economia americana. Em palestra na Conferência das Universidades Tradicionalmente Afro-americanas, em Washington, ele se ateve ao tema educação.

- A educação é vital para nossa prosperidade. À medida que nossa economia fica cada vez mais avançada e globalmente conectada, as habilidades e o conhecimento trazidos pela educação se tornam mais cruciais para o sucesso de cada um.

Socorro a empresas entra no Orçamento

Elevando os temores sobre a crise nos Estados Unidos, o Escritório de Orçamento do Congresso (CBO, na sigla em inglês) decidiu incluir as operações de Fannie e Freddie nas contas do governo americano, revelou ontem o jornal inglês "Financial Times". A Casa Branca, que não quis comentar o assunto, esperava manter as empresas fora de suas contas Juntas, Fannie e Freddie têm passivos de US$5,4 trilhões, montante equivalente à dívida pública dos EUA.

O CBO também informou que o déficit orçamentário dos EUA deve atingir US$407 bilhões neste ano fiscal, que termina em 30 de setembro. Para o próximo, projeta-se um recorde de US$438 bilhões - talvez mais, devido ao resgate de Fannie e Freddie.

Em editorial, o "New York Times" afirmou ontem que o resgate de Fannie e Freddie ressaltou as vulnerabilidades da economia americana. "Os Estados Unidos precisam admitir que seu profundo endividamento é particularmente perigoso em tempos de crise econômica".

A intervenção do governo pode estar só começando. Segundo o "Wall Street Journal", as autoridades federais analisam adotar regras mais rígidas para cartões de crédito e o mercado de derivativos. E as montadoras querem US$25 bilhões em empréstimos federais para fazer carros menos poluentes. Elas já conseguiram US$25 bilhões este ano. O "Journal" também revelou que Fannie e Freddie serão retiradas hoje do índice S&P, após o fechamento do pregão.

(*) Com agências internacionais

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