Título: Um monólogo de idéias
Autor: Paul, Gustavo; Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 10/09/2008, Economia, p. 29
Seminário tem depoimentos gravados e defesa do confisco
Gustavo Paul e Henrique Gomes Batista
BRASÍLIA. O que era para ser um evento histórico, em que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e 13 ex-titulares da pasta poderiam debater, transformou-se em um conjunto de monólogos, muitos gravados previamente, e num espaço para engrandecer eventuais acertos e relativizar erros antigos. Informando terem compromissos no exterior assumidos previamente, Marcílio Marques Moreira, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Pedro Malan e Antonio Palocci mandaram depoimentos gravados para o segundo dia do seminário "Desenvolvimento econômico: crescimento e distribuição de renda", que comemorou os 200 anos do Ministério da Fazenda. Uma das defesas foi feita pela ex-ministra da Economia Zélia Cardoso de Mello, primeira a falar. Zélia afirmou que o Plano Collor, de 1990, não consistia apenas no confisco da poupança e das aplicações financeiras. Segundo ela, entre os legados, estão a abertura comercial e o início das privatizações:
- Diferentemente da propaganda que o reduziu ao confisco, o Plano Brasil Novo (nome oficial) era um amplo conjunto de reformas aliadas a um programa de estabilização. Teve sucessos e fracassos - disse Zélia, acrescentando que outro mérito foi evitar a hiperinflação enquanto ela esteve na pasta. - Mas não conseguimos debelar a inflação, como todos sabem.
Zélia abandonou o governo após a revelação de que tinha um caso amoroso com o então ministro da Justiça, Bernardo Cabral. Sucessor imediato de Zélia, Marcilio citou as dificuldades para arrumar a casa:
- A medida (o confisco) foi tomada em uma dose exagerada, paralisando a economia. Depois, foram feitas tantas exceções que acabaram por estimular a inflação.
Já Fernando Henrique, ministro da Fazenda de Itamar Franco, defendeu o Plano Real:
- Os planos anteriores eram tecnocratas, saíam no Diário Oficial e a população levava um susto. O Real foi feito respeitando a democracia. Tivemos a preocupação em não quebrar a lei, pois os anteriores trouxeram prejuízos para o Tesouro.
Malan afirmou que grande parte das conquistas econômicas do atual governo foi uma herança do governo Fernando Henrique que "é benigna, não tem nada de maldita". Mantega, que encerrou o programa de ontem, preferiu não polemizar:
- Este sucesso que vivemos hoje não é só dos ministros, mas de todas as equipes dos ministérios da Fazenda.
Mas assessores do atual ministro reclamaram da virulência verbal de Malan. Isso, porém, não quebrou o clima de cordialidade do evento. Zélia foi a Mantega "reclamar":
- Só tem um problema no livro dos ex-ministros. Ele me colocou um ano mais velha e, para uma mulher, isso é um problema - disse Zélia, que nasceu em 1953.
- É uma falha grave - disse Mantega.
Mas, em seguida, Mantega disse a Zélia que é muito importante a comunicação de medidas, e citou a primeira entrevista sobre o Plano Collor, que deixou a sociedade mais confusa. O ministro afirmou que usou uma cópia da entrevista em suas aulas na Fundação Getulio Vargas para explicar como não se anunciam medidas econômicas.
- Estávamos três noites sem dormir naquele dia - respondeu Zélia.
Ciro Gomes disse que tomou medidas impopulares para evitar a explosão da demanda:
- De garoto prodígio da política brasileira fui transformado em um novo Collor, mas não me arrependo de nada.