Título: Cerco ao gás enviado ao Brasil
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Fonte: O Globo, 10/09/2008, O Mundo, p. 31
Opositores bolivianos tomam usina em Tarija e confrontos explodem em regiões autonomistas
Manifestantes oposicionistas ao presidente boliviano Evo Morales tomaram ontem uma das principais usinas de distribuição de gás natural ao Brasil, no departamento de Tarija, e chegaram a anunciar a interrupção do fornecimento ao país. Moradores do povoado de Villamontes invadiram ainda pela manhã a unidade de gás da empresa Transierra, formada pela Petrobras, pela francesa Total e pela boliviana Andina e, segundo lideranças locais, fecharam quatro válvulas de distribuição. A informação, no entanto, foi desmentida pela Petrobras, que afirmou que envio do gás não foi interrompido. Segundo o governo boliviano, a invasão na unidade foi repelida à tarde pelas Forças Armadas, sem prejudicar as operações. A tentativa de sabotagem ao fornecimento de gás - num movimento que pode provocar o desabastecimento do parque industrial de São Paulo - ocorreu ao mesmo tempo em que as ruas de Santa Cruz de La Sierra se transformaram em um campo de batalha entre policiais e grupos radicais.
Centenas de jovens da União Juvenil de Santa Cruz (UJC), grupo estudantil radical de oposição, se confrontaram por horas com tropas do governo e conseguiram tomar as instalações do Serviço de Impostos Nacionais, responsável pela arrecadação de tributos no departamento e pelo repasse para La Paz, do Instituto Nacional para Reforma Agrária (Inra) e da empresa de telecomunicações Entel. Outros prédios e órgãos do governo foram depredados e incendiados.
- A tomada das instalações do governo deixou vários feridos, entre eles militares, policiais e civis - disse um porta-voz da polícia. - Muitos prédios públicos foram destruídos e tiveram seus equipamentos, arquivos e computadores saqueados.
Morales faz reunião de emergência
O aumento da violência em Santa Cruz e a tentativa de tomada das usinas de gás foi anunciada ontem pelos movimentos opositores, que exigem que o governo de La Paz devolva para os departamentos da Meia Lua os recursos do Imposto Direto sobre Hidrocarbonetos. Os manifestantes, que há 15 dias bloqueiam as principais estradas de quatro departamentos - Santa Cruz, Pando, Beni e Tarija - ameaçam nas próximas horas tomar os aeroportos e as instalações da estatal de petróleo YPFB. Os principais postos de fronteira com Brasil também foram fechados na segunda-feira pelos opositores. Caminhões com produtos aguardam nas estradas.
- O governo prega a conciliação e o diálogo. Mas vai agir de forma dura para garantir os interesses do Estado e de todos os bolivianos, e isso significa utilizar a força para garantir a segurança dos escritórios estatais, das usinas de gás e petróleo e outras unidades - disse o novo ministro dos Hidrocarbonetos, Saúl Avalos, empossado na segunda-feira à noite. - Nada nem ninguém vai impedir que exportemos gás para Brasil e Argentina.
Morales - que fez modificações em cinco ministérios na segunda-feira e transferiu o poderoso ministro Carlos Villegas da pasta dos Hidrocarbonetos para o Planejamento - convocou uma reunião de emergência na tarde de ontem com o Alto Comando das Forças Armadas e da Polícia Nacional para discutir a crise e a violência nos departamentos opositores. Após a reunião, os ministros de Governo, Alfredo Rada, e da Defensa, Walker San Miguel, descartaram a possibilidade de um estado de sítio.
- O que os opositores planejavam com ajuda externa e interna começou a se materializar. Eles querem a divisão do país. O Ministério Público cuidará de processar os envolvidos nos atos violentos. O governo não pretende sacrificar a população com um estado de sítio pois sabe que os tumultos são frutos da ação de uma minoria - disse Rada.