Título: Fronteira fechada com o Brasil
Autor:
Fonte: O Globo, 09/09/2008, O Mundo, p. 30
Num agravamento da crise entre La Paz e os departamentos opositores da Meia Lua boliviana, grupos de estudantes radicais e líderes de comitês cívicos fecharam ontem as fronteiras do departamento de Santa Cruz com o Brasil e anunciaram a expulsão dos voluntários e funcionários cubanos e venezuelanos que trabalham na região. Manifestantes dos departamentos de Beni e Tarija também ameaçam fechar seus postos de fronteira e interromper nas próximas horas o fornecimento de gás natural para Brasil e Argentina, o que poderia provocar uma crise de desabastecimento nos dois países. O presidente Evo Morales, no entanto, tentou tranqüilizar o governo brasileiro e argentino, assegurando que o abastecimento aos dois países está garantido.
A tomada dos postos alfandegários em Santa Cruz, o departamento mais rico da Bolívia, foi feita ainda pela manhã pela União Juvenil de Santa Cruz (UJC), grupo estudantil radical apontado por muitos analistas como racista e o maior defensor da independência da Meia Lua do resto da Bolívia.
- Tomamos todos os escritórios de imigração na fronteira com o Brasil. Alertamos que essa medida poderá ser radicalizada, se espalhando para outros departamentos, caso o governo de La Paz não atenda às nossas demandas - disse o presidente da União Juvenil de Santa Cruz (UJC), David Sejas.
Os opositores exigem que o governo central devolva aos departamentos os recursos do Imposto Direto sobre Hidrocarbonetos (IDH), que desde janeiro foi retirado dos departamentos, passando a ser administrado somente por La Paz. Segundo o presidente Evo Morales, os recursos desse imposto foram retirados dos departamentos e transferidos para um programa de ajuda social para a população pobre acima de 60 anos. Por trás desse projeto, no entanto, está uma manobra política para evitar que os projetos de autonomia da Meia Lua ganhem força: sem os recursos do imposto, os governos locais ficam enfraquecidos economicamente e sem condições de darem continuidade ao processo de autonomia do qual La Paz é contra.
Manifestantes ameaçam fechar aeroportos
Segundo a imprensa boliviana, os opositores já têm 20 pontos de bloqueio em todo o país, entre postos de fronteira e estradas. Para pressionar o governo a voltar atrás em relação ao imposto, os manifestantes ameaçam fechar a partir de hoje os aeroportos principais dos departamentos da Meia Lua, para evitar que a polícia receba suprimentos e armas. As principais estradas que ligam a região ao Altiplano boliviano (onde está La Paz) também foram fechadas há 15 dias. Segundo o governo, a medida é "um tiro no pé", pois a região pode ficar sem gasolina em menos de uma semana.
- Sabemos que os caminhões com combustível não conseguem entrar nos departamentos e que o desabastecimento de Santa Cruz e de outros departamentos pode ser tornar crítico em menos de uma semana. Não creio que isso seja bom para a oposição. Por isso, eles (os opositores) precisam pensar bem no que estão fazendo - disse o ministro da Energia, Carlos Villegas.
Para evitar que os manifestantes interrompam o fornecimento de gás natural para Brasil e Argentina, Morales ordenou ontem que as Forças Armadas do país enviem mais reforços para as instalações petroleiras, especialmente no departamento de Tarija, onde é produzida a maior parte do gás exportado. O presidente, no entanto, ordenou que as Forças Armadas não interfiram nos bloqueios em estradas e aeroportos.
- Essas iniciativas são promovidas por grupos delinqüentes e por autoridades que defendem os interesses de grupos oligárquicos. Não vamos ceder a esse tipo de pressão - disse o presidente, acusando ainda a Embaixada dos Estados Unidos em La Paz de armar alguns dos grupos radicais - Alguns desses grupos estão recebendo recursos e armas da embaixada americana. Isso está fazendo com que até mesmos os governadores (opositores) não tenham mais controle sobre suas ações.
Médicos e voluntários venezuelanos e cubanos, apontados pelos manifestantes "como espiões em favor de Morales", estão sendo obrigados pelos manifestantes a deixarem Santa Cruz e a medida deve ser ampliada para Beni e Tarija ainda esta semana.
A Bolívia viu sua crise política se intensificar depois do referendo revogatório do dia 10 de agosto, em que Morales e a maior parte dos governadores da oposição tiveram seus mandatos confirmados. Agora, o presidente tenta obter apoio da oposição para a aprovação do seu projeto de Constituição, que foi adiado frente ao impasse sobre os referendos autonomistas. O referendo para a aprovação da nova Carta está marcado para o dia 25 de janeiro mas a Corte Nacional Eleitoral diz que a data ainda depende do cumprimento de trâmites legais. Já os governadores da Meia Lua prometem um "esforço conjunto" para evitar que o pleito aconteça em seus departamentos.