Título: É necessária a contenção das favelas da cidade
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Fonte: O Globo, 11/09/2008, O País, p. 10

"É necessária a contenção das favelas da cidade"

Fernando Gabeira, candidato a prefeito pelo PV, defende o reflorestamento dos morros e a revitalização da Zona Portuária

Durante duas horas de sabatina, o deputado federal e candidato a prefeito Fernando Gabeira (PV-PSDB-PPS) esbanjou tranqüilidade e bom humor. Só alterou a fisionomia quando perguntado sobre sua mudança de posição em relação à descriminalização da maconha. Gabeira reafirmou a defesa de um "choque de capitalismo", que explicou como a modernização da gestão pública, com a união dos governos, da iniciativa privada e da sociedade. Disse que é necessário "libertar a cidade" para que comunidades deixem de ser reféns do tráfico e das milícias. Defendeu a contenção das favelas e o reflorestamento dos morros, mas foi cauteloso sobre a remoção de barracos: "A desfavelização não coincide com o processo de remoção".

Na cobertura das eleições, discutimos as cidades que se reinventaram. O senhor tem alguma idéia para a revitalização do Rio?

FERNANDO GABEIRA: A recuperação da área do porto é fundamental. Se recuperarmos aquela região de Saúde, Santo Cristo, Gamboa e Morro da Conceição, o cais e os armazéns, já temos uma nova base. Isso nos dará força para impor também um avanço na recuperação da Baía de Guanabara. Poderíamos criar, no Centro, um aquário, com tecnologia portuguesa, com as principais formas de vida da baía e transformar, como foi a Potsdamer Platz (em Berlim), a recuperação da área num símbolo da nova cidade. Mas para que ela seja nova realmente, vamos ter de intervir em muitas outras áreas.

Como viabilizar esse projeto? Com ajuda da iniciativa privada?

GABEIRA: Claro, sempre. Vejo que há candidatos, que respeito muito, dizendo que são amigos do presidente, do governador, e que vão juntar o governo estadual, federal e a prefeitura. Acho ótimo, mas descobri que isso é insuficiente. Se você não juntar, além dos três governos, a iniciativa privada e a sociedade, os problemas não serão resolvidos. São Paulo canalizou a demanda da proibição da publicidade para a recuperação das praças. A empresa recupera uma praça e põe lá a sua placa.

O senhor acha necessária a contenção das favelas na cidade?

GABEIRA: Acho. Vejo isso como um dos pontos mais importantes a serem discutidos. Digo sempre que vamos acabar com o crescimento a partir da definição dos eco-limites digitalizados. Os moradores têm que nos ajudar a não deixar crescer, e nós os ajudamos a melhorar a situação. Esse acordo é precário. Pode ser cumprido ou não. Por isso, tem também a necessidade de fazer um acordo com o Google e ter um acompanhamento bastante claro desses eco-limites, para poder negociar. Além da contenção, tem que ter uma política para dentro. Temos de orientar e deter o crescimento vertical. A médio e longo prazo, trabalhar a questão fundiária, da posse. Os Pousos, criados por Cesar Maia, são poucos e não foram desenvolvidos como deveriam. Com ajuda de arquitetos e engenheiros, é possível melhorar as casas.

O senhor deve conhecer o poder que as empresas de ônibus têm no Rio. O senhor teria coragem de enfrentar esse poder?

GABEIRA: Se eu não tivesse, não seria candidato. Não posso fazer bravata, mas tenho coragem e vou enfrentá-los fazendo uma reestruturação do sistema, com nova licitação para restabelecer o equilíbrio. Tem ônibus batendo lata na Zona Sul e escassez nas zonas Norte e Oeste. Esse conluio deles com os políticos favoreceu uma situação de tarifa extremamente desfavorável. Nós pagamos mais do que em outras cidades do Brasil e precisamos achar um caminho para reduzir esse preço. Temos de criar um bilhete-único, que dê em três horas a possibilidade de viajar em qualquer um dos módulos. O primeiro ponto é reorganizar o sistema e enfrentar resistências.

O senhor dará subsídio às empresas como em São Paulo?

GABEIRA: Pretendemos primeiro fazer uma avaliação tarifária e uma câmara de compensação tarifária. E por meio desse processo ver se vamos ou não subsidiar.

Qual é o seu plano específico para os transportes?

GABEIRA: Precisamos conseguir mais fluidez. O transporte coletivo no Rio é muito deformado. Temos um milhão de pessoas andando de metrô e de trem, que são os transportes de massa, e quatro milhões andando de ônibus. Está totalmente de pernas para o ar. Para isso, vai ser necessário desafogar alguns bairros. A Barra está estrangulada. Precisa do metrô e de uma conexão até a Penha, o corredor T-5. Madureira está também estrangulada. Ela precisa dessa conexão com a Barra e a Baixada Fluminense, numa extensão da Via Light, da Pavuna até Madureira. As vans precisarão ter GPS e um instrumento para a leitura do bilhete-único. Se elas entrarem nesse sistema, todos que estiverem fora de forma clandestina vão ser derrotados pelo mercado.

Qual é a sua opinião sobre a Cidade da Música?

GABEIRA: Acho a Cidade da Música um elefante branco. Os gastos estavam em R$470 milhões, mas já me disseram que estão em R$504 milhões. É um preço muito alto. A manutenção será de R$1 milhão por mês. Não vejo outro caminho a não ser buscar a iniciativa privada e tentar uma concessão durante alguns anos para que ela explore e a prefeitura fique livre dos encargos da manutenção. É a mesma visão que eu tenho do Aeroporto do Galeão. Nós estamos com R$4 bilhões enterrados lá e estou propondo que a gente faça uma concessão. Não perdemos esses R$4 bilhões, mas também não ficamos com um aeroporto tão triste.

E as suas propostas para a área ambiental?

GABEIRA: Eu não conheço outro grande problema ambiental diferente do saneamento básico no Rio e em outras metrópoles brasileiras. Considero, por exemplo, que as baías do Rio, como a de Guanabara, que há 30 anos faço campanha para recuperá-la, e a Baía de Sepetiba têm de ser recuperadas. As lagoas de Jacarepaguá e da Barra, que poderiam ter sido recuperadas no Pan, também precisam melhorar. Elas podem nos dar um grande circuito turístico, que é o projeto Veneza Brasileira, porque são navegáveis. Acho também que interrompemos um processo vital, que é o reflorestamento dos morros. Quando as pessoas dizem que é humanismo você deixar com que as pessoas se instalem nos morros derrubando as árvores, na verdade, é o anti-humanismo, porque você está preparando uma situação trágica. Outra questão importante é a poluição do ar.

Quando o senhor fala de reflorestamento, fala de remoção?

GABEIRA: Não, o processo de desfavelização não coincide com o processo de remoção. Você tem hoje uma possibilidade muito grande de construir casas populares, primeiro porque a iniciativa privada vive um momento de glória na construção civil, e segundo porque os capitais internacionais mexicanos e árabes descobriram que podem investir em casas populares porque têm retorno. Então há capitais para isso.

E existem lugares onde colocar essas pessoas?

GABEIRA: A prefeitura tem condições de achar esses locais, mas não podem ser locais remotos. Não é possível fazer o que o Garotinho fez em Sepetiba. Você não pode jogar as pessoas em locais onde não há transporte, onde elas não podem fazer compras.

Nos terrenos vazios da Avenida Brasil, por exemplo?

GABEIRA: Claro, estamos trabalhando com essas idéia.

As pessoas sairiam de onde?

GABEIRA: Das áreas que você definir. Em primeiro lugar, as que estão em mais perigo, quer dizer, perigo de vida.

Em favelas?

GABEIRA: Claro, serão nas favelas.

Seria tirar as pessoas de favelas e botar nessas áreas...

GABEIRA: Não tirar necessariamente, mas oferecer para elas essa possibilidade, porque alguns vão tomar a iniciativa de buscar esse caminho. Então você tem essa possibilidade, e você tem o reflorestamento que é feito pela população local, que muitas vezes é um reflorestamento possível, sem a necessidade de remover gente.

"Rio tem que ser libertado das milícias e do tráfico"

"Uma das razões pelas quais sou candidato é que me considero em condições de achar uma saída para esse bloqueio"

O senhor acha que o Rio tem jeito ou já passamos dos limites? É possível mudar a cidade em apenas quatro anos?

GABEIRA: Tenho que ser honesto. Não tem jeito a partir de uma pessoa só. Tem que ter o envolvimento da cidade, e não tem jeito em quatro anos. É preciso um processo mais longo. Cito como um dos elementos que caracterizam a decadência do Rio o fato de haver quase 200 comunidades ocupadas militarmente por forças que não são do governo. Não conheço outra grande cidade no mundo que tenha esse problema. Uma das saídas para o Rio é o que eu chamo de libertação da cidade das milícias e do tráfico. Isso ameaça muito o futuro da cidade, porque uma grande parte da população não tem os direitos assegurados. Dependem de chefetes, sejam da milícia, sejam do tráfico. A prefeitura não tem condições de dar uma resposta isoladamente, mas, se os governos estadual e federal e a prefeitura se unirem, podemos estabelecer um projeto de libertação.

A libertação do Rio passaria pelo uso do Exército?

GABEIRA: Não necessariamente. Passaria pela tática de entrar, permanecer e prestar serviço. Pode ter a prefeitura, a polícia e a Força Nacional combinadas, e outras que serão agregadas para participar. A perspectiva não é uma ocupação militar, mas um grande movimento político. Quando se entra num local desses e uma bala perdida mata alguém, a operação fracassou. A população é refém desses grupos. Libertar uma área e matar um refém, na verdade, é um fracasso.

O senhor teme, se eleito, negociar na Câmara com representantes da milícia e do tráfico?

GABEIRA: Uma das razões pelas quais sou candidato é que me considero em condições de achar uma saída para esse bloqueio. De modo geral, detestamos os políticos, não queremos ouvir falar deles, e não queremos nem relação com esse tipo de gente. Não vai haver uma reforma política a partir de Brasília, porque os personagens interessados em manter o status quo teriam que votá-la. Então é necessário começar da metrópole de alguma maneira. Em primeiro lugar, é preciso um orçamento que seja voltado para as necessidades e para os problemas dos bairros de forma equilibrada. Tem de haver uma atenção aos vereadores que, de modo geral, não existe hoje. O Cesar Maia não os recebe. Em quase todos os lugares onde o prefeito dá certo, ele recebe os vereadores num dia determinado.

O senhor era a favor da descriminalização da maconha. Houve alteração da sua posição?

GABEIRA: A minha posição tem um ano e meio e foi expressa num artigo na "Folha de S.Paulo". O governador Sérgio Cabral tinha feito a defesa da legalização, e eu disse que aquele momento, para o governador, não era de falar em legalização, mas em reformar a polícia para viabilizar qualquer política. Se você não tem uma boa polícia, não pode reprimir, porque ela vai se associar. E se você não tem uma boa polícia, você não pode permitir, porque não vai ter condições de tratar os efeitos colaterais. Essa posição eu expressei há um ano, foi tema de debate nos blogs de São Paulo, mas passou despercebida no Rio. Então agora, quando a apresentei de novo, ela foi interpretada como oportunismo de um candidato. Mas, no momento em que a expressei, eu não era candidato.

Aquilo é uma coisa, mas parece que o senhor disse agora que havia se arrependido de ter defendido a legalização no passado...

GABEIRA: Não, os jornais daqui não mencionaram o meu debate em São Paulo. Os jornais daqui acharam um historiador para dizer que todos os políticos se pasteurizam diante das eleições, porque interessa mostrar que todos os políticos são a mesma coisa, que, diante dos eleitores, abrem mão de seus princípios. Minha posição foi pensada, uma posição de consciência.

Será que o seu eleitor tradicional não está imaginando que existe uma crise de identidade?

GABEIRA: Não sei. Já estou no mundo institucional desde 1994. Não é a questão de institucionalizar. A questão principal é que se vai mudando de posições, adquirindo outras e, às vezes, as pessoas se apressam no julgamento. Sou admirador do GLOBO, leitor fiel, mas desde que me tornei candidato O GLOBO não foi tão simpático.

No que o senhor baseia essa informação?

GABEIRA:Na análise do trabalho que vocês fazem. Não acho razoável e nem elegante discutir aqui o trabalho que O GLOBO faz. Os outros jornais também fazem isso. Acho interessante e razoável que você seja jogado no mar. Não me sentiria bem se estivesse protegido e acolchoado pela imprensa o tempo todo. A questão central é que só posso e devo me pronunciar depois da eleição. Aí, vou lá no "Observatório da imprensa", sempre faço uma análise da cobertura. Aí sou comentarista da imprensa. A última coisa no mundo de que tenho medo é de não ser bem tratado pela imprensa. Há outros medos maiores. Acho que, quando me tornei candidato, tive de me associar a partidos. Se não, não teria o tempo de TV e nem a possibilidade de competir.

O senhor se surpreendeu com a informação de que Crivella e Jandira tiveram um encontro para discutir política de não-agressão?

GABEIRA: Política de não-agressão é razoável discutir. Considero a crise no Rio muito séria. Qualquer coisa que vá na direção do respeito mútuo, acho positivo. Uma vez que estamos em crise, quanto mais próximos estivermos, melhor. Agora, os compromissos sobre votos em segundo turno... É uma ilusão achar que, no segundo turno, você realmente comanda os eleitores. Você pode estar com alguém, mas seus eleitores estarão?

Mas este movimento é para resolver o primeiro turno...

GABEIRA: Não acredito. Todos se sentem com chance a partir de certo patamar. É muito deselegante pedir a uma pessoa que renuncie.

O seu vice é do PSDB, e o senhor afirmou que o Rio precisa de um choque de capitalismo lembrando uma frase histórica de Mario Covas. O que está acontecendo? O senhor está virando tucano?

GABEIRA: Quando falei que era preciso um choque de capitalismo, estava me referindo à introdução de algumas técnicas e táticas da iniciativa privada na gestão pública, como definição de metas verificáveis no tempo, transparência, havia vários elementos. Quando falei desse choque de capitalismo, falei no sentido de melhorar a gestão pública. Para os que têm restrições ao capitalismo, melhorar a gestão significa o mesmo que levar o lucro às empresas, mas não é isso. Quando tem uma melhoria na gestão pública, você libera excedentes para reinvestir a favor das pessoas, não para o lucro, necessariamente. Quanto ao choque de capitalismo no Rio, abstraindo os tucanos e tudo mais, me pergunto: alguém tem alguma outra idéia para o Rio crescer? Eu não tenho.

Participaram da entrevista: Artur Xexéo (editor do Segundo Caderno), Chico Otavio (repórter de País), Cristina Alves (editora de Economia), Helena Celestino (editora executiva), Lydia Medeiros (editora assistente de País), Luiz Novaes (editor executivo), Paulo Motta (editor da Rio), Rodolfo Fernandes (diretor de Redação), Silvia Fonseca (editora de País) e Tadeu de Aguiar (editor assistente de Esportes)