Título: Com o pé ainda no acelerador
Autor: Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 11/09/2008, Economia, p. 27

PIBÃO NA CRISE

Puxado por investimentos, PIB supera projeção e cresce 6,1% no segundo trimestre

Cássia Almeida

Superando as expectativas mais otimistas dos analistas e em meio a uma crise financeira que faz tremer a economia global, o Brasil cresceu forte no segundo trimestre deste ano. Puxado pelo investimento, que cresce há mais de quatro anos seguidos, e pela construção civil, o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) teve expansão de 6,1% frente ao segundo trimestre de 2007 e de 1,6% contra os três primeiros meses do ano (descontadas as variações sazonais). Assim, desde o início do ano, a economia do país avançou 6%, na maior taxa semestral já registrada desde o primeiro semestre de 2004 (6,6%), somando R$1,382 trilhão no período, conforme informou ontem o IBGE. Nos últimos 12 meses, a expansão foi de 6%.

- A economia está crescendo num ritmo alto. O maior destaque nesse trimestre foi o investimento, que registrou a taxa mais alta desde 1996. E o consumo das famílias continua em patamar elevado (6,7%). No primeiro trimestre, a expansão fora de 5,9% - explica Rebeca Palis, gerente de Contas Nacionais Trimestrais do instituto.

No mercado financeiro, os analistas previam, na média, uma alta de 5,5% no PIB do primeiro semestre. O crescimento generalizado pela economia foi mais intenso na agropecuária e na administração pública no segundo trimestre, quando se olha o PIB pela ótica da produção. O setor agrícola, puxado pelas lavouras de café e milho, teve alta de 7,1% frente a maio, junho e julho de 2007:

- Houve um aumento tanto da safra quanto da produtividade neste trimestre. O avanço de 2,3% na administração pública, que tem peso grande (mais de 15%) na economia, foi um dos fatores que também influenciou o desempenho do trimestre.

Segundo Rebeca, a indústria teve papel mais preponderante nas contas no semestre, com expansão de 6,3%, a maior entre os grandes setores. A construção civil ganha destaque dentro da indústria, com alta de 9,4% nos seis primeiros meses do ano e de 9,9% de maio a junho, a maior desde o segundo trimestre de 2004. Outros componentes da indústria não fizeram feio. Os serviços públicos (água, gás e luz) cresceram 5% no semestre puxados pela expansão do uso do gás. A indústria de transformação avançou 6% e a extrativa-mineral, 4,3%.

Consumo cresce há cinco anos seguidos

Quando se olha a economia pelo lado do consumo, as famílias mostram expansão sustentada. São 19 trimestres seguidos de alta, ou seja, quase cinco anos.

- Desde 2007, o consumo das famílias está crescendo perto de 6% - lembra Rebeca.

Para o economista Paulo Levy, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os números das contas nacionais indicam que o crescimento continua forte. Mas esse movimento muito rápido do consumo tem assustado os economistas. O temor é que a inflação seja um efeito colateral desse avanço:

- É preciso ter um ajuste para o país poder encarar um trajetória de crescimento permanente. A demanda doméstica cresceu 8,5% no segundo trimestre, bem acima da variação de 6,1% do PIB. Assim, o crescimento não se sustenta.

Na avaliação de Levy, o investimento precisa continuar avançando para se traduzir em mais oferta de bens e serviços. Só assim, argumenta, será possível sustentar a atual taxa de crescimento.

Se os números do PIB foram comemorados, as expectativas para os próximos meses são ainda melhores. Com o bom desempenho dos seis primeiros meses do ano, basta o Brasil crescer 4% no segundo semestre para o PIB fechar 2008 com alta de 5%.

Levy, do Ipea, destaca que mesmo que, até o fim do ano, não haja qualquer expansão do PIB na margem (ou seja, na comparação do trimestre contra o trimestre anterior), o Brasil crescerá 4,6%, no mínimo, em 2008:

- Podemos dizer que há uma taxa de crescimento já contratada de 4,6% para este ano, sem chance de recuo - diz Levy.

A demanda doméstica, que tem sustentado o crescimento do PIB, vem sendo suprida pelas importações. Esse item, depois de terminada a greve da Receita Federal, subiu 25,8% e fez o setor externo reduzir em 2,5 pontos percentuais o crescimento da economia brasileira.

- As exportações (que tiveram alta de 5,1%) também reagiram ao fim da greve da Receita. No primeiro trimestre, registraram taxa negativa de 2,1%, no primeiro recuo desde o segundo trimestre de 2006, quando também houve greve da Receita Federal - explicou Rebeca, do IBGE.

Com a alta das importações, o Brasil precisou de dinheiro externo para fechar suas contas financeiras. O buraco foi de R$14,3 bilhões no segundo trimestre. No mesmo período do ano passado, sobraram R$632 milhões nessas contas com o resto do mundo. Segundo Claudia Dionísio, economista do IBGE, a piora reflete a redução no saldo externo de bens e serviços:

- A principal explicação veio da diminuição de R$10 bilhões nesse saldo - afirmou.

Logo atrás, vieram as remessas de lucros e dividendos das multinacionais. Houve aumento de R$5,6 bilhões nessa conta, enquanto o pagamento líquido de juros caiu R$1,3 bilhão:

- O estoque da dívida externa diminuiu. Já foi muito pior no passado - diz Cláudia.

Enquanto isso, a poupança brasileira ficou do mesmo tamanho, permanecendo em 19% do PIB, exatamente o mesmo percentual do segundo trimestre de 2007. No semestre, está em 17,9%, ligeiramente inferior aos 18,1% dos primeiros seis meses de 2007.