Título: Prática degradante
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Fonte: O Globo, 15/09/2008, Editorial, p. 6

TEMA EM DISCUSSÃO: Uso de algemas

A súmula vinculante aprovada há pouco mais de um mês pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para regulamentar o uso de algemas procura pôr termo à execrável opção policial pelo abuso de poder em certas operações. Além de ser cumprida pelos agentes do poder público, a orientação do STF serve de parâmetro para juízes de todo o país ao decidirem pendências sobre o tema.

A aprovação da súmula deu-se em meio a intensa troca de opiniões sobre o uso de algemas em presos de pouca ou nenhuma periculosidade, provocadas pela detenção de personalidades conhecidas do mundo financeiro, acusadas de crimes contra a economia do país.

A pirotecnia montada pela Polícia Federal para anunciar a detenção dos envolvidos nas investigações da Operação Satiagraha - e, de resto, na maioria das ações da PF - mostrou-se incompatível com a obediência aos direitos básicos do cidadão, pela forma humilhante como os presos foram expostos ao massacre da opinião pública. De tal forma, achou por bem a mais alta Corte intervir de modo a preservar as garantias individuais básicas inscritas na Constituição.

A decisão do STF não desarma o Estado diante da ameaça da criminalidade. Apenas restringe o uso das algemas às situações em que elas são efetivamente necessárias à coerção legal. Nesses casos, tira-se do agente policial o desnecessário - por humilhante - arbítrio, e do poder público a margem de maquinações subordinadas a interesses políticos, que quase sempre transcendem os limites da aplicação da lei para se transformar em peça de marquetagem e instrumento de manipulação pública.

Neste sentido, foram esclarecedoras as palavras do ministro Celso de Mello na sessão em que o Supremo aprovou a súmula vinculante: "A imposição de algemas transforma-se num ritual de degradação moral, em que as autoridades e os agentes policiais muitas vezes agem fora das hipóteses recomendadas pela prudência e pelo bom senso." Com sua decisão, não procurou o STF, decerto, beneficiar este ou aquele criminoso a partir da sua proeminência social. Antes, o fez em defesa da sociedade em geral, ao enquadrar os agentes públicos em normas que tiram da atividade policial práticas degradantes, portanto incompatíveis com a democracia. De resto, normas que não são peculiaridades jurídicas do Brasil, mas adotadas em países que primam pelo respeito aos direitos do cidadão.