Título: Medo de ameaça à democracia
Autor: Oliveira, Eliane; Fernandes, Diana
Fonte: O Globo, 15/09/2008, O Mundo, p. 22
Com o cuidadoso discurso de que a solução para o conflito na Bolívia deve passar pelo "diálogo construtivo" combinado com o princípio da não-intervenção, mas receoso quanto aos riscos para a democracia na região, o governo brasileiro vai defender, na reunião de hoje da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), no Chile, um acordo o mais rápido possível entre o presidente Evo Morales e a oposição. Para a diplomacia brasileira esse entendimento deve ser alcançado a curtíssimo prazo, tendo em vista que, na visão do Brasil, a democracia está seriamente ameaçada na região. Morales confirmou presença no encontro.
Na reunião, convocada no sábado pela presidente chilena, Michelle Bachelet, é praticamente certa a evocação da cláusula democrática de Ushuaya - pela qual o país que rompe os princípios democráticos fica de fora de acordos comerciais e de cooperação. Fica banido do clube, que tem a democracia como principal patrimônio da América do Sul. A evocação da cláusula democrática indica que um governo na Bolívia que não for eleito democraticamente não será reconhecido na região.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os demais presidentes sul-americanos devem também aprovar uma moção de apoio a Morales, como uma forma de tentar fortalecer o presidente boliviano.
Ontem, líderes da oposição pediram a atuação do Brasil como mediador das negociações com o governo de Morales.
- Vamos exigir hoje (ontem) que o Brasil esteja presente no diálogo, ante qualquer possibilidade que possa haver de negociação ou uma facilitação - afirmou o governador oposicionista do departamento de Santa Cruz, Ruben Acosta.
Lula respondeu dizendo que reafirmará a disposição de participar deste processo, desde que tenha a concordância de Morales. E que essa mediação ocorra no âmbito do Grupo de Amigos da Bolívia, formado pelo Brasil, Argentina e Colômbia.
- O Brasil já faz parte do Grupo de Amigos da Bolívia e intermediará o conflito desde que o governo boliviano esteja de acordo - disse ontem o assessor especial da Presidência para assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, que acompanhará Lula ao Chile. - A demanda (da oposição) é redundante, pois já estamos no grupo de mediação.
Brasília teme guerra civil, mas não golpe
A expectativa, ontem à noite, era quanto ao resultado da reunião de Evo Morales com líderes da oposição. E também sobre o aval, ou não, do presidente boliviano à mediação do Grupo de Amigos, que foi oferecida formalmente na última quinta-feira.
Os riscos para a democracia na Bolívia foram detectados pelo próprio serviço de inteligência do governo boliviano, que identificou uma tentativa de golpe civil, segundo relato de Morales a Bachelet por telefone. Essa conversa motivou a presidente chilena a convocar a reunião de cúpula da Unasul, que tem 12 países-membros. Confirmaram presença os líderes de Brasil, Argentina, Colômbia, Equador, Venezuela, Paraguai, entre outros.
Segundo Marco Aurélio Garcia, o temor maior do governo brasileiro, com base nos relatos recebidos da Bolívia, era de que os confrontos levassem a uma guerra civil:
- Não trabalhamos em nenhum momento com hipótese de um golpe (com a participação de militares), porque as informações que temos são de que as Forças Armadas da Bolívia são totalmente leais ao presidente.
O presidente do Paraguai, Fernando Lugo, disse ontem que a reunião da Unasul não terá por objetivo "dar fórmulas mágicas de solução" da crise do país vizinho.
- Chegaremos a Santiago para demonstrar nossa solidariedade com o povo e com o governo da Bolívia - disse Lugo. - Evo Morales é o representante genuíno, eleito democraticamente.
No encontro de hoje, Lula vai reforçar a necessidade da manutenção das instituições e da democracia para o bem da Bolívia e da América do Sul. Dentro do governo brasileiro, avalia-se que a expulsão de embaixadores americanos por Bolívia e Venezuela ao longo da semana passada só acirrou os ânimos dos opositores.
- Não se pode, agora, querer encontrar culpados de fora, quando o problema é nitidamente interno - comentou um diplomata brasileiro.
Hoje, no Chile, o presidente Lula estará acompanhado do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e do ministro da Comunicação, Franklin Martins, além de Marco Aurélio.
Colaborou Cristiane Jungblut