Título: O temido braço armado de Santa Cruz
Autor: Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 14/09/2008, O Mundo, p. 38

União Juvenil Crucenha diz ter 155 mil jovens e desafia governo com ataques.

Defender o povo de Santa Cruz, incentivar a juventude na luta pelo engrandecimento moral e material, difundir a ¿cultura camba¿, vigiar a geopolítica regional e a mística patriótica. Estes são alguns objetivos da União Juvenil Crucenha (UJC), segundo seu estatuto. Na prática, porém, a entidade que diz reunir 155 mil jovens entre 14 e 35 anos em todo o departamento funciona como a tropa de choque do movimento autonomista que na última semana colocou contra a parede o presidente boliviano, Evo Morales, provocando uma das maiores crises da Bolívia nas últimas décadas. Um ¿exército democrático¿, nas palavras de um ex-presidente da entidade.

Grupo é acusado de fascismo

Desde o início da semana passada os membros da UJC, também conhecidos como unionistas, têm levado a cabo o projeto de autonomia guardado por mais de uma década no Comitê Cívico por Santa Cruz. As ações do grupo, muitas vezes violentas, têm causado pânico entre os moradores da cidade, principalmente entre os colas, indígenas vindos das regiões altas do país com a esperança de um futuro melhor no Eldorado boliviano. Em menos de uma semana a UJC tomou de assalto todos os prédios estatais da cidade. Pela contabilidade oficial, são mais de 30 instituições que foram entregues ao Governo Departamental, sob o comando do oposicionista Rúben Costas. Muitos desses prédios foram depredados, saqueados e incendiados.

Os unionistas também são responsáveis pelos bloqueios em diversas vias públicas da cidade e cabe a eles decidir quem passa ou não. Seus métodos vão desde a simples intimidação pelo olhar até espancamentos e uso de armas de fogo.

¿ Estamos executando o projeto autonômico de Santa Cruz (cujo o estatuto foi aprovado pela maioria absoluta da população em maio) ¿ explicou o presidente da UJC, David Sejas.

Se para a maioria dos não-bolivianos a UJC é uma estranha novidade, em seu país os unionistas contam com uma reputação consolidada há quase meio século. A entidade foi fundada em 1957 por um grupo de universitários no auge da euforia pela vitória na disputa pela regalia, uma fatia de 11% dos impostos arrecadados com os fartos recursos minerais da região.

Depois de um período de hibernação na década de 60, a UJC voltou à ativa em 1972, sob a tutela de Carlos Valverde Barbery, ex-ministro da Saúde do ditador Hugo Banzer e fundador da Falange Socialista Boliviana, partido de inclinações fascistas e separatistas que congregava os chamados ¿camisas brancas¿.

Durante décadas, as fileiras da UJC agrupavam apenas a nata da chamada elite branca de Santa Cruz. Com o tempo (e a miscigenação) passou a aceitar descendentes de indígenas da região (que ao lado dos descendentes de europeus formam o grupo conhecido como cambas) e hoje é composta em boa parte por ex-colas, desde que estes acatem todas suas normas e doutrinas. Com seus traços marcadamente indígenas, Sejas usa o próprio exemplo para desmentir as recorrentes acusações de racismo que pesam contra a UJC.

¿ Eu sou moreno! O racismo não entra na nossa instituição. Isso é uma campanha difamatória do governo ¿ defendeu-se.

Por força do estatuto, os líderes da UJC são impedidos de manifestar publicamente suas preferências eleitorais e raciais, para preservar a entidade. Mas ao lamentar o fato de a Bolívia ser mais conhecida no exterior pelas tradições dos indígenas do Altiplano, o presidente da UJC acaba em contradição.

¿ Desgraçadamente somos mais conhecidos lá fora pela cultura dos povos do ocidente (os descendentes de incas que vivem na Cordilheira dos Andes).

Recentemente, o jornal ¿El Deber¿, o maior de Santa Cruz, publicou a foto de um jipe vermelho, com dois rapazes usando trajes da UJC, e a suástica nazista nas portas. Em junho, dois supostos unionistas foram presos no aeroporto da cidade com um fuzil e uma escopeta momentos antes do desembarque de Evo Morales em Santa Cruz.

Durante a greve cívica pela autonomia, em maio, integrantes da Guarda de Honra unionista (espécie de tropa de elite) saudavam o estatuto autonômico com o famoso gesto do braço direito levantado. Durante aquele comício, os integrantes da Guarda de Honra deram uma exibição de disciplina, mantendo a organização dos espaços, auxiliando senhoras que passavam mal, oferecendo água a crianças e jornalistas estrangeiros.