Título: Após corte de 50% do gás, Brasil desliga usina
Autor: Galhardo, Ricardo; Tavares, Mônica
Fonte: O Globo, 12/09/2008, O Mundo, p. 29

SANTA CRUZ DE LA SIERRA (Bolívia), BRASÍLIA, RIO e SÃO PAULO. Uma sabotagem fez com que a Bolívia interrompesse por seis horas o fornecimento de metade do gás vendido ao Brasil, e forçou o governo brasileiro a desligar a usina termelétrica Fernando Gasparian, em São Paulo, que pertence à Petrobras, tem capacidade de 190 megawatts (MW) e consome um milhão de metros cúbicos por dia. O país também reduziu a geração em três outras termelétricas: Nova Piratininga (SP); Termo Rio (RJ); e Ibirité (MG). Um técnico do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) explicou que a redução está sendo suprida por energia hidrelétrica, pois o nível dos reservatórios está confortável, e não causará problemas aos consumidores.

O ONS reduziu 800 megawatts médios de geração nas três usinas. Na véspera, a geração por termelétricas havia sido de 2.819 MW médios.

Por volta das 5h, uma das três válvulas de segurança da estação de medição de Buena Vista, no departamento de Chuquisaca, parou de funcionar, bloqueando o duto da Transierra que envia 14 milhões de metros cúbicos diários de gás ao Brasil. Isso elevou temporariamente de 10% para 50% o corte no fornecimento - na véspera, a explosão de uma válvula já afetara o envio. O fornecimento foi regularizado por volta das 11h.

Para o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, a situação ainda não é de total segurança, mas "o fluxo se normalizou". O país ainda está deixando de receber 3 milhões de metros cúbicos diários. Lobão acredita que o abastecimento deve se normalizar em três dias. O ministro admitiu que, caso o problema continuasse, poderia haver comprometimento no abastecimento de várias cidades:

- Inicialmente, se o gás fosse interrompido ou se prosseguisse com essa interrupção, São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades sofreriam algum abalo.

Lobão disse que o fogo que se alastrou pela válvula do gasoduto na quarta-feira já foi controlado e ela está sendo resfriada. Existem 16 válvulas em território boliviano e 60 no Brasil.

Segundo Lobão, algumas medidas poderiam ser adotadas caso continuassem os problemas. Fazem parte do plano de contingência desligar todas as termelétricas de Petrobras e Eletrobrás que usam gás; suspender a injeção de gás em poços de petróleo da companhia; interromper o abastecimento de gás para as indústrias que podem usar óleo diesel como combustível; e cortar o gás automotivo.

Transierra diz não ter condições de evitar cortes

Após ter sofrido interrupções no bombeamento do combustível, a Petrobras informou no início da noite que o fornecimento de gás natural não tinha sido afetado. A companhia confirmou que acionou seu plano de contingência, que prevê a redução do consumo próprio do gás em suas instalações, como plataformas de perfuração e refinarias, para ser enviado ao mercado. Técnicos estimam que o consumo próprio da Petrobras deve girar entre 6 milhões e 8 milhões de metros cúbicos por dia.

Com a promessa de normalização do fornecimento, a Secretaria de Saneamento e Energia de São Paulo suspendeu o plano de contingenciamento para as indústrias. Dos cerca de 30 milhões de metros cúbicos de gás que o Brasil compra diariamente da Bolívia, quase 17 milhões são revendidos pelas distribuidoras paulistas. De manhã, a secretária Dilma Pena chegou a anunciar um racionamento.

O gerente comercial da Transierra, Jorge Boland, disse que a empresa não tem condições de evitar novas interrupções no envio de gás ao Brasil. Segundo ele, a proteção aos equipamentos de produção e transporte de hidrocarbonetos é prerrogativa do governo federal, e a empresa, um consórcio entre Petrobras e grupos franceses, não tem permissão para contratar seguranças.

Boland disse que havia indícios de que a válvula eletrônica foi manipulada. Em oito anos, foi registrado apenas um caso de falha técnica:

- Alguns conectores foram tocados. Falha técnica é possível, mas pouco provável.

Para consertar a válvula, foi necessário desativar a estação de San Antonio. Quanto ao incidente de quarta-feira, a empresa estima que até amanhã o envio dos 3 milhões de metros cúbicos diários de gás se normalize.

Mas a Bolívia teve de suspender a exportação de gás à Argentina, devido à invasão de uma estação do gasoduto binacional na fronteira, segundo fontes da petrolífera estatal YPFB. O corte afeta ao menos 1 milhão de metros cúbicos diários de gás.

Em visita ao Brasil, o ministro da Fazenda da Bolívia, Luis Alberto Arce Catacora, afirmou que o governo boliviano vai recorrer às Forças Armadas para proteger e vigiar os campos e dutos de gás e petróleo. Segundo ele, a polícia nacional investigará os atos de vandalismo e processará os responsáveis.

(*)Enviado especial (colaboraram Aguinaldo Novo e Evandro Éboli, com agências internacionais)