Título: Relator da ONU critica tropas em favelas; TRE e governo reagem
Autor: Duarte, Alessandra
Fonte: O Globo, 16/09/2008, O País, p. 4

Relatório divulgado em Genebra inclui, pela primeira vez, as milícias.

O relator especial de Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias da Organização das Nações Unidas (ONU), Philip Alston, criticou ontem a presença de tropas militares em comunidades do Rio durante o processo eleitoral. Autor de relatório sobre o Brasil divulgado ontem em Genebra - que, pela primeira vez, aponta as milícias como um dos principais problemas de segurança e de execuções no Rio -, Alston afirmou ao GLOBO que as tropas "não servem para nada":

- Podem prender pessoas, matar pessoas, mais nada. Quando saem da favela, milicianos e traficantes voltam - disse Alston, que esteve no Rio, em São Paulo, Recife e Brasília, de 4 e 14 de novembro de 2007.

O relatório foi entregue ontem à missão brasileira na ONU em Genebra e será apresentado em junho de 2009 na 11 ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU. O documento tem recomendações a autoridades brasileiras, como a reforma das polícias Militar e Civil. Segundo o diretor do Centro de Informação da ONU no Brasil, Giancarlo Summa, é a primeira vez que as milícias surgem como um dos fatores que agravam a insegurança e a ocorrência de execuções.

Segundo relatório, Brasil tem 48 mil homicídios por ano

Alston disse que, quando veio ao Brasil, já percebera a ligação das milícias, e também do tráfico, com a política:

- Ouvi alegações e depoimentos sobre o relacionamento de políticos com milicianos e criminosos do tráfico em algumas comunidades que visitei no Rio. Só não pude coletar evidências para pôr no relatório - disse Alston, que em seu relatório informa que o Brasil tem cerca de 48 mil homicídios por ano.

"As milícias operam em grande parte do Brasil, mas se tornaram um problema peculiar do Rio de Janeiro, nos últimos três anos, onde se estima que aproximadamente 92 das 500 favelas da cidade do Rio estejam sob o controle desses grupos", diz o relatório.

Um dos exemplos citados é a favela Kelson"s, na Penha: "Recebi informações detalhadas sobre as atividades das milícias na comunidade do Kelson"s". O relatório cita o caso de Jorge da Silva Siqueira Neto, presidente da associação de moradores, que denunciou as milícias e foi assassinado um mês depois.

Sobre outras regiões do país, Alston cita a presença de grupos de extermínio e esquadrões da morte.

A Secretaria estadual de Segurança, em nota, disse que "as opiniões do representante da ONU são subjetivas, desfocadas da realidade do Rio de Janeiro e carregadas com forte viés ideológico".

O novo presidente do TRE, Alberto Motta Moraes, que assumiu ontem, defendeu as tropas e criticou o relatório:

- Ele está profundamente enganado. Provavelmente, trata-se de um cientista social de gabinete, alguém que não conhecia a realidade.

O desembargador Roberto Wider, que deixou ontem a presidência do TRE, disse que Alston deveria se informar melhor sobre o que a Justiça Eleitoral vem fazendo em defesa da regularidade das eleições:

- Críticas sempre ocorrerão e serão bem-vindas. Mas espero que este senhor tire algum proveito da experiência positiva que estamos realizando aqui no Rio.

COLABOROU Elenilce Bottari

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