Título: Pré-sal é para todos
Autor: Castro, Paulo Rabello de
Fonte: O Globo, 16/09/2008, Opinião, p. 7

Pela primeira vez, o Brasil enfrenta um desafio de "gente rica". E não deixa de ser auspicioso que à frente desse processo esteja um presidente de origem muito pobre. A questão do "novo" petróleo se desdobra em quatro partes: (1) a tecnologia e os recursos financeiros para sua adequada extração; (2) quem deterá a propriedade das reservas; (3) quem fará e quem fiscalizará o trabalho; (4) quem apropriará o grosso da renda econômica.

Típico problema de rico. De todas as questões, a principal é a última: para quem deixar a renda e como garantir sua boa aplicação. Ricos, em geral, estabelecem regras especiais para seus herdeiros, e a riqueza fica organizada num fundo, com gestão profissional. Um país não deveria agir diferente. Com boa intuição, Lula aventa a hipótese do investimento em educação, que é a melhor maneira de converter recurso natural em capital humano. Sem exclusão dessa boa idéia, que tal cumprir a lei, que já prevê o que fazer nesse caso?

A lei é a de Responsabilidade Fiscal. No seu artigo 68, ela prevê que a União deve alocar "bens e direitos, a qualquer título,..." (§ 1º, II) a fim de criar "...o Fundo do Regime Geral da Previdência Social...", "...com a finalidade de prover recursos para o pagamento dos benefícios...". O que a lei diz é simples: ordena capitalizar o maior passivo a ser enfrentado pela nação brasileira, nos próximos 50 anos, que é a previdência social.

A transição para um sistema de capitalização previdenciária gradual fica assegurada pelo pré-sal, gerando a tranqüilidade dos futuros aposentados nos setores público e privado, como hoje ocorre na experiente e rica Noruega.

A melhor maneira de organizar a propriedade da nova reserva (questão 2) é através de uma Sociedade Pública de Propósito Exclusivo, com meia dúzia de funcionários, dedicados exclusivamente a garantir o uso apropriado dos recursos extraordinários que a providência divina e a competência da Petrobras destinaram aos brasileiros. Aliás, a criação desta SPPE permitiria que a União pudesse participar das operações chamadas de "unitização", necessárias quando um reservatório de hidrocarbonetos ultrapassa os limites geográficos de um bloco concedido nos chamados rounds de licença.

Mantendo incólume a estrutura legal vigente, todos os blocos novos da província petrolífera do pré-sal seriam "aportados" a esta SPPE e ofertados em leilões sucessivos. Isso evitaria o "efeito Inglaterra" que vendeu barato sua riqueza do Mar do Norte, voltando a ser importadora de petróleo caro.

A lei não precisa ser mudada. Os bônus de assinatura são derivados da situação de competição mais perfeita possível: a disputa de interessados em um bloco, através do mecanismo de leilão. Pode-se operar a redivisão do bolo de royalties pela variação do percentual da participação especial, sem mudar a estrutura legal vigente.

E a educação de Lula? O poder público já apropria 40% do PIB brasileiro para cumprir tais metas. O fluxo de fundos do pré-sal pode, no entanto, se aplicar em projetos de ponta, como a aceleração da educação digital e as pesquisas científicas (Cingapura faz isso!) enquanto essas rendas não sejam finalmente vertidas ao caixa do fundo previdenciário, de modo a desonerar as gerações vindouras. É a maneira de TODOS saírem ganhando.

PAULO RABELLO DE CASTRO E ROBERTO PRISCO P. RAMOS são economistas.

www.oglobo.com.br/opinião