Título: Objetivo: a defesa da vida
Autor: Minc, Carlos
Fonte: O Globo, 16/09/2008, Opinião, p. 7

A polêmica em torno do teor de enxofre no diesel serve como alerta para a má qualidade do ar que respiramos e acentua a urgência da adoção de medidas imediatas e de um plano nacional de qualidade do ar. Nosso diesel é de péssima qualidade: no interior há o S2000 - que tem duas mil partes por milhão (PPMs) de enxofre, e nas regiões metropolitanas há o S500, com quinhentas PPMs de enxofre. Para termos uma base de comparação, na Europa já é obrigatório o S50 e a partir de 2010 será permitido apenas o S10, com dez PPMs de enxofre.

O enxofre gera compostos químicos como o dióxido de enxofre (SO²), emissão de particulados e de outros, que são responsáveis por cerca de 3.000 mortes anuais e milhares de internações por doenças respiratórias.

Em 2002 o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) aprovou uma resolução (que tem força de lei) determinando que, a partir de 2009, os novos veículos a diesel, como caminhões e ônibus, devam sair da fábrica com uma emissão atmosférica máxima correspondente à que é gerada pelo motor Euro 4 e o diesel S50. A Agência Nacional de Petróleo (ANP) atrasou em 5 anos a especificação do S50, a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) não se preparou para a fabricação dos novos motores, alegando o atraso da ANP (a resolução dá 36 meses de prazo a partir da especificação); a Petrobras investiu R$5 bilhões em processos de dessulfurização (retirada de enxofre) em 11 refinarias, mas está atrasada em relação às quantidades necessárias para 2009.

O governo federal (incluído o Ministério do Meio Ambiente) e o próprio Conama não tomaram as medidas enérgicas necessárias para coibir os atrasos visíveis: um festival de omissões.

Realizamos a partir de julho (2008) três amplas reuniões, com a presença de cinco ministérios (inclusive o da Saúde e o de Minas e Energia), ANP, Anfavea, Petrobras, Ministério Público Federal, Sindicom (distribuidoras de combustível), secretarias de meio ambiente dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Explicamos que, apesar dos apelos e das pressões, não iríamos pedir o adiamento do prazo de entrada em vigência desta resolução, pois 6 anos fora tempo suficiente. A Anfavea declarou que sequer havia começado a testar os novos motores.

Decidimos enviar para o Conama uma resolução criando uma nova etapa do programa de controle e redução das emissões veiculares obrigando a adoção de um padrão ainda mais rigoroso, o S10, a partir do início de 2012, o que representará um salto adiante, ao invés de retrocedermos.

A partir de 2009 só sairão das fábricas novos ônibus e caminhões que cumpram a resolução, ou obtenham um "termo de ajustamento de conduta" com o Ministério Público Federal, apresentando medidas práticas que reduzam a emissão de poluentes num montante superior àquele que seria obtido caso a resolução seja obedecida.

Contratamos um estudo de um instituto independente para mesurar o volume de emissões tóxicas que serão evitadas pela resolução, por ano e por tipo de poluente, para fornecer uma base técnica ao MP Federal.

Outra medida tomada foi apresentar ao Conama a base de um plano nacional de qualidade do ar, com medidas muito além do teor de enxofre. Há que investir pesado nos transportes sobre trilhos, como trens e metrô, na integração dos meios de transporte, no combate aos engarrafamentos e na vistoria veicular nacional, como já existe por lei no Rio de Janeiro há 8 anos.

Um veículo desregulado emite até 40% a mais de poluição, devido à carburação imperfeita, e consome mais combustível, representando um rombo no clima e nos pulmões e outro no bolso do seu proprietário. A emissão do gás metano nos lixões deve ser evitada e o metano convertido em energia.

Os automóveis novos sairão em novembro das fábricas com etiquetagem do nível de consumo de combustível e sua emissão, permitindo o exercício do consumo consciente. Nossas indústrias obedecem a padrões de emissão atmosférica menos rigorosos do que os dos países desenvolvidos. Devemos adotar padrões mais restritivos.

Hoje temos uma visão mais ampla do meio ambiente: a qualidade da água que bebemos depende do saneamento básico; o ar que respiramos depende das medidas quanto ao transporte e à indústria; e a saúde do trabalhador depende de tecnologias limpas.

A economia deve colocar a defesa dos ecossistemas e da vida como objetivo primordial.

CARLOS MINC é ministro do Meio Ambiente.

N. da R.: Luiz Garcia volta a escrever neste espaço no final do mês.