Título: Roleta russa financeira
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 16/09/2008, Economia, p. 22
Será que o sistema financeiro dos EUA quebra hoje ou nos próximos dias? Acho que não quebra, mas não tenho certeza. É preciso entender que o velho mundo dos bancos, no qual instituições em grandes prédios de mármore aceitavam depósitos e emprestavam o dinheiro para clientes de longo prazo, foi substituído por um "sistema bancário paralelo". Os bancos depositários, dos prédios de mármore, têm papel secundário; a maior parte dos negócios é feita por meio de operações complexas criadas por instituições "não-depositárias", como o falecido Bear Stearns e o Lehman Brothers.
Supunha-se que o novo sistema seria melhor para reduzir os riscos. Mas após o estouro da bolha imobiliária, vê-se que o risco não foi reduzido, mas ocultado: a maioria dos investidores ignorava o quanto estava exposta.
Aí surgiram as corridas pós-modernas aos bancos. Não estamos falando de correntistas irritados batendo em portas de instituições fechadas. Estamos falando de telefonemas e cliques do mouse frenéticos de operadores financeiros. Mas os efeitos - congelamento do crédito, queda no valor de ativos - são iguais aos das corridas a bancos nos anos 1930.
Eis o problema: os mecanismos para evitar essas corridas aos bancos só protegem os caras nos edifícios de mármores, que não estão no coração da atual crise. Isso cria a possibilidade de que 2008 seja 1931 revisitado.
As autoridades monetárias estão cientes dos riscos: antes de ter a responsabilidade de salvar o mundo, Ben Bernanke era especialista na Grande Depressão. Então, ano passado o Fed e o Tesouro criaram linhas de crédito especiais, com siglas impronunciáveis, para instituições não-depositárias. Protegeram os credores do Bear e estatizaram Fannie Mae e Freddie Mac.
Mas as autoridades estão assumindo riscos com o dinheiro do contribuinte. Parece que a regra é cara, você ganha; coroa, o contribuinte paga. O que nos traz ao Lehman.
Henry Paulson, o secretário do Tesouro, estava decidido a não adoçar um acordo com dinheiro público. Muitos acharam que era blefe. Pensei em começar o artigo com "Se a vida lhe deu Lehman, faça Lehman-nada". Não houve ajuda. Paulson parece apostar que o sistema financeiro pode lidar com o choque do colapso do Lehman. Logo veremos se ele foi corajoso ou tolo.
O correto seria, claro, ter tomado medidas preventivas antes de atingir este ponto. Quando o Bear afundou, muitos falaram na necessidade de um mecanismo de "liquidação ordenada" para os bancos de investimento em crise. Isso foi há seis meses. Onde está esse mecanismo?
Então cá estamos, com Paulson aparentemente achando que jogar roleta russa com o sistema financeiro americano era sua melhor opção. Ui.
PAUL KRUGMAN é colunista do "New York Times"