Título: Estou seguro de que é preciso fazer algumas contratações
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Fonte: O Globo, 17/09/2008, O País, p. 10

Eduardo Paes, candidato a prefeito pelo PMDB, não diz, no entanto, como conseguirá recursos para aumentar o quadro

Sexto candidato a prefeito do Rio a ser entrevistado pelo GLOBO, o candidato Eduardo Paes (PMDB) disse que pretende contratar mais professores e médicos para o município, mas não conseguiu mostrar de onde sairão os recursos. Paes chegou ao jornal com duas pastas lotadas de documentos. Não tentou abri-las, mas pediu, antes de a entrevista começar, uma xícara de chá de camomila, segundo ele, "para agüentar a pressão". O candidato classificou as várias vezes que trocou de partido como um "pecado não muito grave". Disse que houve corrupção no governo Lula, do qual agora diz ser parceiro. A mesma flexibilidade surgiu quando o assunto foi o futebol: "Sou Portela e vascaíno, mas adoro a torcida do Flamengo".

Há dois anos, na campanha eleitoral, o senhor disse que o então candidato a governador Sérgio Cabral era a "síntese da entrega da máquina pública como forma de amealhar espaços de poder". O senhor também afirmou que havia corrupção no governo Lula. Essa mudança não reforça no eleitor a imagem de descrença nos políticos?

PAES: Tinha de fato episódio de corrupção no governo (Lula) e cumpri com a minha obrigação como deputado federal. Como ficou comprovado depois, aquilo que a gente apurava de fato aconteceu. Não tenho nenhum problema ético: combati a corrupção naquele momento e continuarei combatendo, só que de maneira diferente. As pessoas precisam entender que as coisas não são tão radicais assim. Em relação ao governador Sérgio Cabral, eu tenho enorme orgulho de ter havido uma mudança de paradigma no Rio.

O senhor não vê mais sanguessugas, mensaleiros, garotinhos...

PAES: Não. Nem eu vejo, nem ninguém aqui vê.

O senhor é um dos políticos que mais mudaram de partido, mesmo sendo jovem. Como justifica essa falta de compromisso com partidos?

PAES: Tenho enorme orgulho dos meus dois grandes pecados, depois de 16 anos de vida pública. De um lado ter combatido a corrupção, e de outro ter mudado de partido. São defeitos que não são dos mais graves. Sempre tive uma agenda na minha vida pública: o Rio.

A fidelidade partidária é um bom princípio da democracia?

PAES: Não acho que, com a estrutura partidária que a gente tem hoje, a fidelidade partidária, da maneira que foi colocada, seja algo adequado. Mas é um bom caminho, os partidos terão que se estruturar.

O senhor vai ser flexível no seu partido em relação a filiados e detentores de mandatos contra os quais há acusações graves? Tem o caso do Jerominho (Guimarães, vereador preso acusado de envolvimento com milícia)...

PAES: Acho que esse cidadão não tinha que estar mais filiado ao partido. Essa é a minha opinião, mas estou disputando a eleição para prefeito.

O senhor diz no programa de governo que a Guarda Municipal será estatutária e ainda vai ampliá-la. Não há dinheiro para isso.

PAES: Vai ter um custo aí. Governar é estabelecer prioridades. Tem condições de cumprir. No caso da Secretaria de Ordem Pública, que vou criar, o custo é quase nenhum. Vamos devolver autoridade às ruas.

É quase um mantra seu essa frase: "governar é estabelecer prioridades", mas, observando seu programa de governo, entre as prioridades apontadas, há contratação de professor, bilhete único, guarda municipal, isso tudo demanda custo. De onde viriam os recursos?

PAES: Parece um mantra, mas é um pouco verdade. Vamos tratar de avançar em instrumentos de gestão que tornam mais eficiente a máquina, buscar aumentar a arrecadação. Por que não reduzir o IPTU para empresas de telemarketing? Por que não reduzir o ISS? Por que não tentar convencer o nosso Joaquim Levy (secretário estadual de Fazenda) a reduzir o ICMS naqueles locais?

Isso é difícil...

PAES: (risos) É difícil, mas vamos tentar estabelecer parceria. Esse é um caminho: reduzir ISS para atividades econômicas que são vocações naturais do Rio, como áreas de tecnologia, turismo.

Quanto vai ser necessário arrecadar a mais para poder cumprir as suas promessas?

PAES: Olha, você não tem como fechar uma conta. A gente tem assumido alguns compromissos.

Nem a grosso modo?

PAES: É óbvio que, a grosso modo, nosso entendimento é que com a arrecadação da prefeitura é perfeitamente possível avançar.

O senhor não tem o valor?

PAES: Há valores de algumas áreas, como a Saúde, que estabelecemos como prioridade absoluta em razão do sofrimento que as pessoas passam hoje... A prefeitura é gestora plena do Sistema Único de Saúde e não cumpre com esse papel. Outro elemento para trazer recursos é fazer parcerias com o governo federal. Quantos recursos a prefeitura recusou? Na questão da dengue, um monte de recursos está disponível.

Para as contratações e projetos que o senhor vai fazer, vai ser necessário quase dobrar o ISS...

PAES: A cidade dispõe de um orçamento que permite trabalhar dessa maneira. Vamos trabalhar com modelos de gestão, nos hospitais com produtividade, usar modelos que o estado começa a introduzir agora...

O senhor está falando em contratar... Mas não chegou à prefeitura, não avaliou o quadro...

PAES: Não tem como (avaliar).. É papel da prefeitura cuidar do ensino das crianças de zero a 14 anos. Tem um problema objetivo da falta de professores do município. Faltam ainda médicos e enfermeiros nos hospitais.

Mas faltam médicos e enfermeiros, ou eles não vão aos plantões?

PAES: Vamos estabelecer parâmetros claros e exigir desse profissional. Vamos colocar o nome dele na internet, na porta do hospital...

Mas está faltando quadro ou os funcionários não estão trabalhando corretamente?

PAES: Estou falando da proporção de número de médicos em relação ao número de habitantes da cidade.

O senhor fala da produtividade, mas não está usando a produtividade para fazer o programa...

PAES: Não, não. Estou falando de dados muito objetivos. Se você trabalhar com os números de hoje, com a situação caótica da saúde, vai se chegar a um número absurdo de contratações necessárias. Portanto vamos introduzir novos modelos de gestão que permitam utilizar melhor o potencial dos servidores.

O senhor está seguro de que é preciso contratar na área de saúde, educação, e de que é necessário colocar os guardas como estatutários?

PAES: Estou seguro de que é preciso fazer algumas contratações na área de saúde e educação. Agora, utilizando-se, eventualmente, de novos modelos para isso. Olha, é difícil fazer uma previsão de quanto é que custa. Hoje eu diria assim: o número de professores necessários é em torno de 5 mil para levar reforço escolar a todas as salas de aula. Mas você não tem todas as informações disponíveis que permitam as contratações.

Quantos são hoje?

PAES: Hoje são cerca de 30 mil professores. Tem certas informações que, se você não está na prefeitura, não dispõe.

A prefeitura não apresenta os dados de orçamento?

PAES: Tem os dados, mas a prefeitura não é a coisa mais transparente do Rio.

O senhor vai licitar o carnaval?

PAES: O carnaval tem que continuar terceirizado. Acho uma temeridade devolver para a prefeitura. A minha idéia é licitar.

O senador Crivella disse que, como prefeito, não iria à Parada Gay, mas iria ao Maracanã. E o senhor iria?

PAES: Eu iria à Parada Gay, ao Maracanã, à escola de samba. Estou até fazendo um desafio: vou ver se saio numa bateria de escola de samba.

Qual sua escola?

PAES: Não é politicamente correto declarar time de futebol e escola de samba, mas, enfim... Eu sou Portela. Sou Portela e vascaíno, mas adoro a torcida do Flamengo (risos). Minha família toda é tricolor; tenho enorme carinho pela torcida do Flamengo; o Botafogo é um time glorioso, e o América é o time do meu coração. Essa flexibilidade eu confesso que tenho (risos).

Defesa de Apac, Cidade Limpa e repressão a camelôs e vans

Candidato afirma que fará choque de ordem, conterá a expansão de favelas e acabará com a "era do ilegal, e daí?"

Qual a solução para desatar o nó do trânsito do Rio?

PAES: Quando eu era secretário, tinha de ir todo dia da Barra para o Centro. Se saísse um pouco mais tarde, demorava duas horas para chegar. Garanto que a gente conseguiria matar meia hora se botasse um operador de trânsito num sinal da Avenida Niemeyer em frente ao Vidigal. Fazendo o feijão com arroz. A operação de trânsito já resolveria uma parte significativa dos problemas. Os sistemas são antiquados. Na Zona Norte, é uma tragédia. Os sinais são do século passado, não há sincronia, não há onda verde.

O senhor, se eleito, vai manter a Guarda fiscalizando o trânsito?

PAES: Sim, só que saindo mais tarde, permanecendo o tempo todo.

Caso eleito, o senhor pretende manter as Apacs?

PAES: Sou totalmente favorável às Apacs. Elas são um ganho para a cidade. A gente tem que tratar de desenvolver projetos imobiliários em outras áreas da cidade. A Zona Sul já tem um adensamento muito grande. Vou manter as Apacs da maneira que elas estão.

Em relação às favelas, qual é a política do senhor?

PAES: Política contra qualquer tipo de ilegalidade é fazer valer a lei. Vamos voltar com o Favela-Bairro em sua concepção original, que é levando equipamentos sociais. Quando o eco-limite não é respeitado, não serve para nada. Portanto, fazer o limite das comunidades existentes é estabelecer parâmetros urbanísticos e fazer valer a lei. Acabou a era do "ilegal, e daí?" no Rio. Vou ser o prefeito da legalidade, sim. Para aqueles que no asfalto cometem ilegalidades, que não são poucos; e para aqueles também que nas favelas façam isso.

O senhor removeria uma ocupação ilegal numa área de proteção ambiental, por exemplo?

PAES: Não vou permitir novas ocupações. Se houver ocupação numa área de risco, certamente não teria dificuldade de realocar essas pessoas e dar casa com dignidade.

Como o senhor pretende conter a expansão dentro das favelas?

PAES: Com definição de parâmetro urbanísticos e fiscalização. A prefeitura precisa se estabelecer nessas favelas. Se o gabarito é de dois andares, que se respeite.

Todos os candidatos dizem isso... O que fazer efetivamente?

PAES: Eu fui subprefeito e não permiti novas ocupações. Não dá mais, o Rio não suporta mais isso. Vamos ser rigorosos contra a ilegalidade.

Que instrumentos a prefeitura tem para combater todo o tipo de irregularidade na cidade?

PAES: Vou criar a secretaria da Ordem Pública.

Com que estrutura?

PAES: Com a estrutura que já existe, mas que está toda dispersa.

Sem novas contratações?

PAES: Sim, a prefeitura tem todas as condições. É claro, no caso específico da Guarda Municipal, quero ampliá-la. Entendo que ela deve ter um papel mais firme no combate ao pequeno delito. Nós vamos transformá-la em estatutária. Não é para agradar aos guardas, mas para que eles possam aplicar a lei com mais tranqüilidade sendo servidor público, tendo poder de polícia...

O senhor vai fiscalizar as vans, por exemplo?

PAES: Vamos deixar muito claro que van precisa ser transporte complementar, não alternativo. Temos que mapear as áreas onde pode van, e onde não puder é o rigor da lei. A não existência de regras hoje tem feito com que tenha essa bagunça de tantas vans circulando e transformando o trânsito no Rio numa coisa caótica. Temos que fazer a licitação, como o estado está fazendo agora. Concede a linha, legaliza, e aquele que não estiver legal não vai funcionar.

O senhor é a favor do convênio para o Detro fiscalizar as vans?

PAES: O Detro está fiscalizando muito bem. O problema da prefeitura é que não tem regra.

Qual o critério para ter van num local e não ter no outro?

PAES: Isso depende de um estudo mais amplo. O sistema de transportes no Rio precisa ser reavaliado. A minha idéia é criar o bilhete-único e as vans têm de estar dentro disso. Aquelas que puderem ficar.

Com ou sem subsídio?

PAES: Espero que sem subsídio. É preciso analisar as planilhas para ver como são as tarifas.

O bilhete-único era uma promessa do governador Sérgio Cabral na campanha de 2006. Até hoje não entrou em funcionamento...

PAES: Além dele ter dois anos e meio de governo ainda, a grande questão para o bilhete-único é essa relação institucional. Você está falando de concessões municipais com concessões estaduais. É fundamental o diálogo, que infelizmente é meio difícil nos dias de hoje.

O senhor vai licitar as linhas de ônibus?

PAES: Sim, estamos falando em concessões do município. É o caso de vans e ônibus.

Qual é o principal problema na gestão atual?

PAES: A área de saúde é a grande tragédia que se abate sobre a cidade. Tem esse absurdo na educação que é a aprovação automática, que não tem a ver com o sistema de ciclos.

O senhor disse que não informaria os nomes dos seus doadores para não constrangê-los. Mas dois de seus adversários o fizeram.

PAES:O fato é que há uma legislação. E muitos doadores operam dentro dela.

O senhor, agora há pouco, se queixou da falta de transparência da prefeitura...

PAES:Ilegal é esconder dos vereadores a execução orçamentária. Não estou cometendo ilegalidade ou imoralidade. Se a gente quer tanto que seja assim, tem que propor mudanças na lei.

Qual o seu projeto para a área de Cultura?

PAES:Essa cidade tem vocação para ser um centro de decisões. Outro papel é o de atrair a atividade econômica ligada ao entretenimento.A Cidade da Música vai ter que servir para isso, com aquele custo enorme.

O senhor vai entregá-la para a iniciativa privada?

PAES: A minha idéia é fazer parceria. Está claro que não é viável do ponto de vista econômico. Portanto, a prefeitura vai ter que alocar recursos ali. O ideal seria a concessão.

O senhor adotaria aqui no Rio a Lei Cidade Limpa, de São Paulo?

PAES: Vamos fazer, porque a publicidade brigando com a paisagem fantástica é um atentado contra o Rio.

O senhor é favorável à restrição ao transporte de cargas?

PAES: Totalmente. O que for positivo, não tenho dificuldade em manter. Não mudo nem o nome do projeto.

Participaram da entrevista: Ascânio Seleme (editor executivo), Carter Anderson (editor assistente de País), Cristina Alves (editora de Economia), Helena Celestino (editora executiva), Luiz Novaes (editor executivo), Maiá Menezes (repórter de País), Paulo Motta (editor da Rio), Rodolfo Fernandes (diretor de Redação) e Silvia Fonseca (editora de País).