Título: EUA podem elevar custo para o contribuinte
Autor: Frisch, Felipe; Rangel, Juliana
Fonte: O Globo, 17/09/2008, Economia, p. 27

Economista alerta para remessa de lucros em países emergentes para compensar perda das matrizes

Em entrevista por telefone, de Washington, o economista Paulo Nogueira Batista Jr., diretor-executivo pelo Brasil e mais outros oito países da região no Fundo Monetário Internacional (FMI), considera cedo para avaliar se a crise dos mercados financeiros vai chegar à economia real dos países emergentes como o Brasil. Mas destaca que, diferente das outras crises, desta vez o problema não está "na periferia", onde o país se inclui.

Felipe Frisch

Como o senhor avalia a tensão atual dos mercados?

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.: O governo americano tomou uma decisão muito difícil no fim de semana, de deixar o Lehman Brothers quebrar, e o que estamos vendo são conseqüências dessa decisão. A compra do Merrill Lynch pelo Bank of America foi uma notícia positiva e atenuou um pouco o caso do Lehman, porque o Merrill Lynch era o próximo alvo entre os bancos de investimento. Mas surgiu outro problema de grandes dimensões, que foi a crise da AIG. Quando o mercado abriu na segunda-feira, ela sofreu ataque em suas ações.

Como a queda das ações na Bolsa se reflete na empresa?

PAULO NOGUEIRA: As ações caíram dramaticamente e a empresa encontrou dificuldades de obter recursos no mercado. Três agências de risco reduziram a nota da AIG. Nunca vi em toda a minha vida uma situação tão grave, e olha que eu já vi muita coisa.

Qual o papel do governo?

PAULO NOGUEIRA: Se o governo entrar a cada problema que ocorre, pode elevar o custo para o contribuinte americano e estimular comportamentos irresponsáveis. Se deixa quebrar, existe a ameaça de um risco sistêmico. Meu receio é que eles tenham errado ao não patrocinar algum tipo de reestruturação do Lehman, como fizeram com o banco Bear Stearns, e ao nacionalizar as companhias hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac. A crise da AIG está sendo precipitada pelo caso do Lehman, por conta de percepção de que a regra do jogo mudou. (No momento da entrevista, o Fed ainda não tinha anunciado a estatização da AIG)

A AIG ter ramificações pelo mundo pode significar ramificações desses problemas?

PAULO NOGUEIRA: Essa crise é diferente das crises da década de 90, que tinham epicentro na periferia, Leste da Ásia, Rússia, Argentina. Agora, o epicentro é nos EUA. E a turbulência nos mercados da periferia não tem a ver com a situação desses países, mas com o contágio.

Mas esse contágio chega à economia real deles?

PAULO NOGUEIRA: Não, porque eles continuam crescendo. Ninguém sabe qual desdobramento a crise vai ter, com as instituições repatriando dividendos (participação nos lucros de empresas) para compensar parte das perdas das matrizes, não só as empresas financeiras, mas outras, como montadoras também. No Brasil e nos outros emergentes, está havendo reversão no movimento de capitais, que faz o dólar subir.

Qual o impacto no PIB?

PAULO NOGUEIRA: É difícil saber sequer se vai chegar à economia real dos emergentes. Alguma desaceleração vai chegar, por menor dinamismo de demanda por exportações, queda de commodities (matérias-primas) e retração no fluxo de capitais. Os mercados de curto prazo como bolsa, câmbio e prêmios de risco vão sentir impacto, mas não significa que a economia real vai entrar em crise por causa disso.