Título: Lula ironiza: Que crise? Pergunta para o Bush
Autor: Jungblut, Cristiane; Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 17/09/2008, Economia, p. 31

ABALO GLOBAL: Reservas cambiais e menor dependência comercial em relação aos EUA deixam Brasil mais protegido

Presidente, no entanto, lembra que se houver uma grave recessão mundial, país acabaria sendo afetado

Cristiane Jungblut e Gerson Camarotti

BRASÍLIA. O bom desempenho da economia brasileira faz o governo acreditar que o impacto no Brasil de uma recessão americana seria "quase imperceptível", disse ontem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para ele, a expansão do mercado interno seria a "tábua" de salvação do país para se proteger dos efeitos da crise nos Estados Unidos. Num primeiro momento, o presidente chegou a usar de ironia, quando perguntado sobre o assunto no Itamaraty, enquanto aguardava o primeiro-ministro da Noruega, Jens Stoltenberg.

- Que crise? Vai perguntar para o Bush.

Perguntado se a situação externa estaria tendo algum efeito sobre o Brasil, completou:

- Até agora, não.

Depois, o presidente manifestou sua confiança no fortalecimento da economia brasileira e não descartou o impacto no país, ainda que reduzido, se houver grave recessão nos EUA.

- O que está puxando a economia é o forte crescimento do mercado interno, e vamos continuar fortalecendo o mercado interno, acreditando que pode ser a grande tábua para que o Brasil não tenha nenhum peso maior com a crise americana. Isso nos dá a tranquilidade que temos. Tranquilidade e, ao mesmo tempo, uma preocupação - disse, salientando que o Brasil está tranquilo, mas atento às consequências da crise que vem derrubando as bolsas em todo o mundo: - Os EUA precisam resolver essa crise, porque, obviamente, havendo recessão muito profunda nos EUA, ela pode atingir o mundo inteiro, porque é a maior economia do mundo. Ela pode atingir, mas certamente atingirá o Brasil menos do que em qualquer outro momento. Diria que (o impacto seria) quase imperceptível.

Mais tarde, Lula reiterou que o Brasil está numa situação confortável devido às reservas de US$205 bilhões e a uma política menos dependente dos EUA, citando que a balança comercial com os americanos representava 50% dos negócios brasileiros, percentual que foi reduzido para 15%.

O presidente ainda comparou o comportamento do Brasil, neste momento, ao de um médico:

- É como um médico responsável que faz a cirurgia lá no seu paciente e não vai embora para casa. Fica lá para acompanhar a reação. Graças a Deus o sistema financeiro brasileiro não estava metido no subprime.

Lula negou que o Banco Central tenha aumentado os juros, semana passada, por causa da crise americana. E contou que tem conversado constantemente com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, sobre a crise nos EUA, mas reconheceu que é difícil ter uma definição clara dos acontecimentos porque há surpresas a cada momento.

- Ninguém tem ainda uma visão geral do que vai acontecer na crise americana. Todo dia temos uma surpresa. Significa que o cassino imobiliário era muito maior do que a gente podia imaginar.

Já o presidente do BNDES, Luciano Coutinho - que acompanhou no Planalto a visita do primeiro-ministro norueguês - disse não temer a repercussão no Brasil da crise americana, apesar de classificá-la de "muito séria". Ele argumentou que o sistema bancário brasileiro é "muito sólido". Para Coutinho, o Brasil vai continuar a crescer e não sofrerá redução de investimentos. Ele disse ainda que a reação na bolsa já aconteceu e que os problemas externos já foram absorvidos.

- A economia brasileira vai continuar crescendo, vai continuar firme e temos condições de compensar, de suprir o financiamento de investimentos. A economia brasileira apresenta oportunidades extraordinárias de investimentos, e de alto retorno. Temos que ter sangue frio e paciência para esperar essa turbulência passar - disse Coutinho.

Coutinho minimizou as preocupações com o fato da seguradora AIG, que está entre as instituições afetadas dos EUA, operar no Brasil. Para ele, o fato do AIG do Brasil ser administrado pelo Unibanco dá condições do sistema bancário brasileiro absorver custos se for necessário.