Título: Grampo até dentro da PF
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 18/09/2008, O País, p. 3

Policiais fizeram por 20 dias escuta no gabinete do diretor-executivo preso por corrupção

Jailton de Carvalho

Policiais encarregados da Operação Toque de Midas instalaram escutas ambientais e grampearam durante 20 dias, com autorização judicial, os telefones do diretor-executivo da Polícia Federal, Romero Menezes, preso anteontem por determinação da Justiça Federal e solto na madrugada de ontem por um habeas corpus. Os grampos captaram conversas que, segundo policiais, mostram Menezes, o segundo homem na hierarquia da PF, interferindo em favor do irmão José Gomes de Menezes Júnior, gerente da empresa de limpeza e segurança Serv-San. Menezes é acusado de advocacia administrativa, vazamento de informações e corrupção entre outros crimes.

Os policiais federais decidiram instalar escuta ambiental no gabinete do diretor-executivo e grampear seus telefones há pouco mais de um mês. O pedido teve como base o suposto envolvimento do delegado no vazamento de informações sigilosas da Toque de Midas, operação que investiga supostas fraudes cometidas pela mineradora MMX, do empresário Eike Batista, na licitação da concessão da estrada de ferro entre Serra do Navio e o Porto de Santana, no Amapá.

As suspeitas contra Menezes surgiram depois do fracasso da primeira etapa da investigação. Antes da operação, dois delegados fizeram um relato minucioso do caso a Menezes e pediram ao diretor a mobilização de 250 policiais e dois helicópteros. Eles seriam destacados para uma possível prisão de Eike Batista e para o cumprimento de mandados de busca em endereços do empresário.

Menezes se opôs à Toque de Midas

Na reunião, Menezes se opôs à operação. Alegou que a PF estava sob forte críticas por causa da Operação Satiagraha, investigação sobre o banqueiro Daniel Dantas, e se tornaria um alvo ainda mais fácil para os críticos, caso fosse levada adiante um plano de prender Eike Batista. Menezes argumentou que era importante chamar a Controladoria-Geral da União e a Receita para amadurecer as investigações. Os delegados retornaram insatisfeitos ao Amapá.

Segundo um policial, dois dias depois dessa conversa, advogados de Eike entraram com pedido de habeas corpus na 1ª Vara Federal, em Macapá. Queriam acesso às investigações, até então mantidas sob segredo. Irritados com o vazamento, o procurador Douglas Santos Araújo e os policiais decidiram precipitar a apreensão de documentos em endereços de Eike. Mas os policiais não encontraram os indícios que procuravam. A partir daí, Menezes foi arrastado para o centro das investigações.

Numa das conversas, gravadas com autorização judicial, Menezes fala com o irmão, que pleiteava na Superintendência da PF no Amapá um certificado de instrutor de tiro. O documento facilitaria a legalização da Serv-San como empresa de segurança. Segundo um dos investigadores do caso, esse era o pré-requisito para que a Serv-San fizesse um contrato de prestação de serviços com a MMX, de Eike. "Pode ficar tranquilo. Está tudo acertado aqui", disse Menezes ao irmão.

O procurador Araújo entendeu que, depois deste e de outros diálogos similares, já tinha indícios suficientes para pedir a prisão de Menezes, Gomes e do diretor da MMX por advocacia administrativa e corrupção, entre outros crimes. Os policiais queriam esperar um pouco mais para gravar outras conversas de Menezes, mas foram voto vencido. Preso na terça-feira feira, o delegado, afastado do cargo, foi solto de madrugada, antes mesmo de ser levado para a carceragem da Superintendência da PF, em Brasília.

No começo das investigações sobre Romero o que mais chamou a atenção de policiais e integrantes do Ministério Público Federal foi a conduta do diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa. Ao ser informado sobre supostas ligações do principal auxiliar e o vazamento da Toque de Midas, Corrêa declarou apoio total à apuração. No mesmo dia, escolheu alguns dos mais experientes agentes da PF para ajudar no inquérito. Mesmo constrangido, coube a Corrêa prender Menezes.

Para Corrêa, era uma demonstração de que a PF não protege ninguém, nem mesmo os seus mais altos dirigentes. Em conversas com colegas da PF, Menezes negou que tenha cometido qualquer irregularidade. Irritado com as acusações, Menezes disse que agora está aderindo à tese do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que, recentemente, criticou o suposto abuso por parte de policiais e procuradores em investigações criminais.

- O que estão fazendo comigo é uma canalhice. Isso é produto de um delegado mal informado e de um procurador precipitado - disse.

O delegado reconheceu, no entanto, que intercedeu em favor do irmão. Disse que conversou com dois delegados em Brasília e com o superintende da PF no Amapá, Anderson Rui Fontel para que fosse emitido um parecer contra ou a favor do pedido formulado por José Gomes. Pela legislação em vigor, cabe à PF conceder certificados para instrutores de tiro e empresas de segurança. Menezes alega que entrou no caso porque Fontel, suposto desafeto pessoal, teria barrado a tramitação do pedido do irmão.

- Fiz por ele e faria por qualquer um. Eles tinham que resolver o problema em uma semana e não resolveram em 40 dias - disse.

Menezes informou que deixará a PF e pedirá aposentadoria. Ele foi solto 14 horas depois de receber voz de prisão, por habeas corpus do Tribunal Regional da 1ª Região.