Título: Esqueceram do software
Autor: Paret, Benito
Fonte: O Globo, 19/09/2008, Opinião, p. 7

O debate sobre a melhor forma de o país explorar as gigantescas reservas de petróleo descobertas abaixo da camada de sal desperta uma questão que nunca foi discutida com a profundidade que merece: a definição do que deve ser tratado como patrimônio nacional e a melhor forma de protegê-lo.

Nesse debate, tende-se a reduzir o que se entende por patrimônio nacional a um conjunto de ativos reais óbvios: a Amazônia, o subsolo, prédios históricos, obras de arte, monumentos etc. Uma coleção de bens físicos, mensuráveis, visíveis a olho nu. Num arroubo nacionalista reivindicam-se as reservas ali encontradas como patrimônio da nação a ser preservado para os brasileiros. Mas esquece-se, com freqüência, de exaltar outro patrimônio, só visível pelos resultados: o capital intelectual, o ativo intangível construído em muitos anos de estudos e pesquisas que levaram à descoberta do primeiro.

Num outro exemplo, louva-se a estabilidade econômica em meio à turbulência internacional. Ela é atribuída, entre outras coisas, a uma política econômica responsável, a um combate sem tréguas da inflação, à manutenção de superávits para amortizar a dívida, ao acúmulo de reservas. Mas esquece-se de dar o devido valor ao mercado doméstico em franca expansão e que sustenta o dinamismo das nossas empresas em meio à retração geral.

Sem o capital intelectual acumulado em décadas, não descobriríamos o pré-sal, não exportaríamos aviões e softwares, nem teríamos safras agrícolas recordes. São ativos intangíveis, patrimônios nacionais que precisam ser preservados e protegidos contra a exploração predatória.

Na esteira nacionalista do pré-sal, o governo exige que as novas plataformas de petróleo a serem construídas para a Petrobras tenham, obrigatoriamente, 75% de conteúdo nacional. A indústria naval agradece. Mas será melhor, ainda, se esse movimento em direção ao mercado interno se estender a outros setores da economia. E um bom exemplo está na área da Tecnologia da Informação.

O Brasil tem, hoje, mais de 100 milhões de celulares e número semelhante de aparelhos de televisão. Com o advento da convergência digital, o país chegará, em breve, a cerca de 100 milhões de consumidores conectados interativamente às grandes redes de comunicação. É um mercado gigantesco que se abre para um número incalculável de serviços. Mas é preciso que, assim como faz com o pré-sal, o governo garanta, também, um quinhão desse novo mercado às indústrias nacionais.

Para que o pré-sal das comunicações seja partilhado por todos, entretanto, é preciso que os produtores independentes de conteúdos digitais e aplicativos tenham direito ao acesso, seja pago ou gratuito, às redes fechadas de telefonia ou TV, muitas controladas por empresas estrangeiras. Para que um sem-número de aplicativos e novos serviços a serem prestados sejam desenvolvidos aqui, e não trazidos simplesmente das matrizes dessas empresas, dando oportunidade a milhares de pequenas e médias empresas nacionais. O maior incentivo que se pode dar a elas é abrir o mercado brasileiro, patrimônio de todos, para produtos feitos por nós.

BENITO PARET é presidente do Sindicato das Empresas de Informática do Rio de Janeiro.