Título: Dólar turismo chega a R$2
Autor: Rangel, Juliana; Frisch, Felipe
Fonte: O Globo, 19/09/2008, Economia, p. 25
Escassez na oferta faz moeda fechar a R$1,93 no câmbio comercial. BC venderá US$500 milhões ao mercado
Juliana Rangel, Felipe Frisch e Marília Martins*
Aescassez na oferta de dólares no mercado financeiro fez a cotação da moeda ter forte alta ontem. No câmbio comercial, o dólar subiu 3,32%, para R$1,93, o maior valor desde 10 de setembro de 2007. Já quem precisou comprar dólar turismo ontem já pagou mais de R$2: no Banco do Brasil, por exemplo, a moeda foi vendida a R$2,01 e no Bradesco, a R$2. Em casas de câmbio, chegou a R$2,05. A falta de liquidez foi agravada pela suspensão de operações no país de bancos estrangeiros, que vivem um momento de crise no exterior, além do movimento de saída de investidores internacionais, em busca de aplicações consideradas mais seguras, como títulos do Tesouro americano.
Para ampliar a oferta de moeda no país, o Banco Central (BC) anunciou ontem que, a partir de hoje, fará leilões de venda de dólares no mercado. A instituição que comprar fica obrigada a revendê-los um tempo depois para o próprio BC. Esse tipo de operação não acontecia desde fevereiro de 2003 - quando o dólar estava em torno de R$3,60 após as eleições presidenciais. O leilão hoje será de no máximo US$500 milhões, terá a liquidação das vendas no dia 23 de setembro e das recompras, em 23 de outubro. A recompra permitirá à autoridade monetária manter o nível das reservas internacionais, que, na última quarta-feira, último dado disponível, chegaram a US$208,6 bilhões, recorde histórico.
A possibilidade de o governo dos EUA criar uma agência para ajudar os bancos americanos em dificuldades puxou no mercado externo a cotação do dólar, que, em relação ao iene, subiu 1%, a maior alta em um mês. Na comparação com o euro, a moeda americana teve ligeira alta de 0,1%, para US$1,4307, puxada pelas perspectivas ruins para os países da zona do euro. Mas, em relação a uma cesta de seis moedas, o dólar caiu 1,1% ontem, um dia depois de cair 1,2%, por sua vez, pressionado pelas projeções desfavoráveis para a economia americana.
No Brasil, durante o dia, o dólar comercial chegou a ser negociado a R$1,963, com valorização de 5%. A alta desacelerou após o anúncio dos leilões de venda do BC, no meio da tarde. Na última quinta-feira, o BC já havia interrompido seus leilões diários de compra no mercado à vista. Ainda assim, o dólar acumula alta de 18,04% no mês e de 8,61% no ano.
- Com a crise, os bancos americanos que emprestam o dinheiro que a gente usa para financiar linhas de exportação de curto prazo deixaram de comparecer - comentou o gerente de câmbio da corretora Liquidez, Francisco Carvalho.
"A crise é bastante séria", diz presidente do Banco Central
Em Nova York, onde participou de encontro com analistas do Federal Reserve (Fed, o BC dos Estados Unidos), o presidente do BC, Henrique Meirelles, explicou que as medidas visam a corrigir distorções de liquidez no mercado.
- Fizemos uma avaliação de que a crise é bastante séria e de que ainda teremos alguns meses de turbulências pela frente. Percebemos que houve uma deterioração da liquidez mundial e concluímos que vai haver desaceleração das economias, além de aperto no crédito, desvalorização do valor dos imóveis e redução do consumo nos EUA.
Mas o estrategista da Way Investimentos, Alexandre Espírito Santo, questiona a demora da autoridade monetária para agir:
- Por que o BC levou tanto tempo para fazer isso? Com US$207 bilhões de reservas, precisou deixar o real se desvalorizar tanto?
Enquanto isso, quem tem dívidas em dólar está cada dia mais preocupado. O empresário Diego Fernandes, de 30 anos, por exemplo, saiu do Brasil para passar seis meses nos Estados Unidos, com a cotação do dólar a R$1,65. No fim de agosto, Diego retornou ao Brasil com as malas cheias de compras e uma fatura de cartão de crédito no valor de R$10 mil. O pagamento foi efetuado no dia 8 deste mês, mas, há uma semana, soube que estava com um débito de R$1,2 mil, correspondente à diferença entre o câmbio no fechamento da fatura e no dia em que foi quitada.
- Estava pensando em voltar aos EUA no mês que vem, mas estou repensando. Está muito caro.
(*) Correspondente
COLABOROU: Patrícia Duarte
MORGAN STANLEY NEGOCIA COM WACHOVIA E DOIS FUNDOS DA ÁSIA, na página 26