Título: Chávez põe Evo e militares em crise
Autor: Figueiredo, Janaína; Valle, Sabrina
Fonte: O Globo, 18/09/2008, O Mundo, p. 31

Comentários de presidente venezuelano fazem chefe das Forças Armadas reclamar do governo

Janaína Figueiredo e Sabrina Valle

Ocomandante-em-chefe das Forças Armadas da Bolívia, general Luis Trigo, pediu ontem ao governo que expresse ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, sua profunda indignação "pelas infelizes declarações" do mandatário venezuelano, que acusa o líder do Exército Boliviano de desobedecer o presidente Evo Morales. Em carta enviada ao Ministério de Relações Exteriores, Trigo mostra insatisfação com o silêncio do governo de Morales sobre os comentários de Chávez. A carta reacendeu os rumores que vêm surgindo na imprensa nos últimos dias de que existe uma divisão nas Forças Armadas do país.

- O presidente venezuelano está, repetidas vezes, atentando contra a união de nosso país. Solicito que sejam feitas as representações pertinentes no âmbito diplomático para expressar a indignação das Forças Armadas diante de declarações tão desafortunadas - disse o general ao ler a carta.

Apesar do descontentamento do comandante, lideranças do governo negaram uma crise.

- As Forças Armadas estão plenamente comprometidas e identificadas com o governo, com a democracia e com o processo de mudança em curso no país - afirmou o porta-voz da Presidência, Ivan Canelas.

Parlamentares da oposição, no entanto, dizem que há um clima tenso dentro de alguns setores das Forças Armadas, especialmente entre militares de baixo escalão. Um parlamentar com trânsito na Comissão de Defesa do Senado diz que militares estão se reunindo para discutir a questão e que há rumores de que Trigo poderia ser substituído por um subcomandante mais ligado a Morales. Já o presidente do Senado, Oscar Ortiz Antelo, nega uma cisão no Exército, mas diz que o governo está sendo omisso no caso e não pode mais aceitar a ingerência do presidente venezuelano.

Uma das primeiras medidas adotadas pelo presidente boliviano, Evo Morales, após assumir o poder, em 2006, foi a renovação da cúpula militar e a decisão de passar para a reserva os altos chefes militares formados entre 1973 e 1974. O autor intelectual da mudança foi o ministro da Presidência, Juan Ramón Quintana, braço direito do presidente e militar reformado.

Mal-estar também no Equador

Quintana é peça chave no relacionamento entre Morales e as Forças Armadas. O ministro armou uma nova cúpula militar com oficiais da sua extrema confiança. Sua escolha para ocupar o ministério mais importante do Gabinete não foi casual. O ministro, que também é um sociólogo de prestígio, conhece a linguagem dos militares, o funcionamento da estrutura das Forças Armadas e as preocupações e temores do setor. Atualmente, Quintana está comandando as ações militares no departamento de Pando. Todos os anos, o governo realiza modificações na cúpula militar. Em geral, os chefes permanecem apenas um ano no cargo. Em alguns casos, a gestão é prorrogada por mais um ano.

Além do mal-estar na Bolívia, Chávez também foi acusado de ingerência no Equador. O prefeito de Guaiaquil, Jaime Nebot, chamou o presidente venezuelano de ignorante e pediu uma ruptura com Caracas, após as declarações de Chávez sobre riscos de instabilidade política e separatismo no país. Também ontem, o vice-presidente do Paraguai, Federico Franco, disse que seu país não vai admitir intromissões de outros governos, numa referência às afirmações de Chávez sobre o ex-general Lino Oviedo, acusado por ele de conspirar contra o atual governo paraguaio.