Título: Chávez e o fracasso da democracia
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 19/09/2008, O Mundo, p. 36

Human Rights Watch faz duras críticas aos dez anos de governo do presidente venezuelano

Janaína Figueiredo

Em seus quase dez anos de gestão, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, eleito em dezembro de 1998, desperdiçou uma oportunidade histórica de fortalecer o Estado de direito em seu país e a proteção dos direitos humanos. Esta é uma das conclusões da ONG Human Rights Watch (HRW), que ontem divulgou em Caracas o relatório "Uma década sob Chávez: Intolerância política e oportunidades perdidas para o progresso dos direitos humanos na Venezuela". No documento, a organização lamentou o fato de que, embora a Constituição de 1999 tenha ampliado significativamente a proteção dos direitos humanos, o golpe de abril de 2002, que interrompeu por quase 48 horas a gestão chavista, deu ao presidente "um pretexto para adotar um amplo espectro de medidas que enfraqueceram as garantias fundamentais estabelecidas" no texto constitucional.

- O que caracteriza o governo de Chávez é um progressivo e grave enfraquecimento das instituições democráticas encarregadas de proteger os direitos humanos - afirmou ao GLOBO, por telefone, o diretor para as Américas da organização, José Miguel Vivanco.

Em meio à campanha eleitoral para renovar os governos estaduais e municipais venezuelanos, no dia 23 de novembro, a ONG fez duríssimas críticas a Chávez, definido por Vivanco como "um governante que entende que as necessidades políticas de seu projeto estão acima das instituições democráticas".

- Não temos a intenção de beneficiar ou prejudicar ninguém e esperamos que o presidente não apele para ataques pessoais e discriminatórios, que é justamente o que estamos denunciando - disse o diretor regional da HRW.

A discriminação política é um dos capítulos fundamentais do documento, de 267 páginas, que analisa o estado da democracia venezuelana e o impacto das políticas aplicadas por Chávez no Poder Judiciário, nos meios de comunicação, nos sindicatos e na sociedade civil. A organização, presente em mais de 70 países, dedicou parte do relatório a denunciar a discriminação exercida pelo governo em empresas públicas e a elaboração de listas negras, utilizadas para excluir da estrutura estatal servidores que não estejam comprometidos com a revolução bolivariana (leia-se que não votam a favor do governo).

Intervenção política no Supremo Tribunal

Outro aspecto da política chavista criticado é o "desprezo manifesto pelo princípio de separação de poderes consagrado na Constituição de 1999 e, especialmente, a idéia de que um poder judicial independente é indispensável para proteger direitos fundamentais". Na campanha eleitoral de 1998, o presidente prometeu reformar o Judiciário, e em agosto de 1999 a Assembléia Nacional criou uma comissão encarregada de afastar juízes envolvidos em irregularidades. Foi criado um novo Supremo Tribunal, integrado por 20 magistrados. Na época, apenas a metade dos membros era aliada de Chávez. Depois do golpe de 2002 e, sobretudo, da decisão do Supremo de não condenar quatro generais que supostamente teriam colaborado com setores golpistas, o presidente decidiu reforçar o controle do Judiciário. Em maio de 2004, o Supremo passou a ter 32 membros e folgada maioria chavista.

- O golpe de 2002 foi a maior violação dos direitos humanos cometida no país nos últimos anos. Mas depois disso, o mais grave foi a intervenção política no Supremo, que atua como protetor de setores chavistas e não como garantia das liberdades públicas - enfatizou Vivanco.

Representantes da Human Rights Watch se reuniram com autoridades do governo, do Poder Judiciário, acadêmicos, defensores dos direitos humanos, sindicalistas e jornalistas venezuelanos entre dezembro de 2006 e julho deste ano. O acesso a setores vinculados ao governo foi um dos aspectos mais difíceis do trabalho.

- O acesso à informação é cada vez mais limitado - explicou Vivanco.

O relacionamento com os meios de comunicação mereceu capítulo especial. Na visão da ONG, o governo implementou uma série de iniciativas, entre elas a Lei de Responsabilidade Social em Rádio e TV (de 2004), que criaram clima de autocensura nos meios de comunicação.

- Existe uma liberdade de expressão tutelada, porque o governo criou agências de controle e normas rigorosas, que obrigaram os jornalistas a atuar de forma exageradamente cautelosa, para evitar punições - argumentou o diretor.

Assim como restringe o acesso da imprensa a informações básicas sobre a ação do governo, Chávez usa e abusa das chamadas cadenas, as redes nacionais de rádio e TV. Todas as semanas, Chávez obriga os canais de TV e rádios do país a interromperem suas transmissões para que o governo possa anunciar medidas. Muitas vezes, as cadenas chavistas acabam se transformando numa espécie de show do presidente, que gosta de falar sobre suas experiências pessoais e até mesmo de cantar boleros. Desde que desembarcou no Palácio Miraflores, Chávez passou o equivalente a 43 dias falando ao país.