Título: Projeto contra liberdade de imprensa é criticado
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 20/09/2008, O País, p. 14
Entidades reagem a proposta enviada ao Congresso que prevê punir jornalistas e veículos que divulgarem escutas
Evandro Éboli
BRASÍLIA. A decisão do governo de enviar ao Congresso um projeto que prevê punir jornalistas e veículos de comunicação que publicarem conteúdos de escutas telefônicas foi duramente criticada ontem por várias entidades. A Associação Nacional de Jornais (ANJ) divulgou nota acusando o governo de atentar contra a liberdade de imprensa. A ANJ classificou o projeto como autoritário e antidemocrático.
"A propósito de definir normas referentes à obtenção ilegal de informações, o projeto de lei enviado ao Congresso atinge diretamente a liberdade de imprensa. É uma proposta autoritária e antidemocrática, que não vingou nem mesmo na época da ditadura militar, de triste memória", diz a nota, assinada pelo vice-presidente da ANJ, Júlio César Mesquita, que também é responsável pelo Comitê de Liberdade de Expressão da entidade. Na véspera, a ANJ já havia criticado o ministro da Defesa, Nelson Jobim, por defender a quebra do princípio constitucional do sigilo da fonte jornalística.
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) também criticou o projeto. O presidente da entidade, Antônio Carlos Bigonha, afirmou que o texto preparado pelo governo é um equívoco, e disse entender que há uma perseguição ao trabalho dos jornalistas. Para ele, a sociedade tem direito à informação, independentemente da origem de seu conteúdo.
- A pior solução é punir jornalistas e os meios de comunicação. O papel da imprensa é informar, e a população tem o direito de saber o que ocorre no país. A sociedade não quer saber se a notícia advém de grampo ou não. Isso não interessa, desde que seja verídica. Punir o jornalista é punir a parte mais fraca - disse Antônio Carlos Bigonha.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, também divulgou nota em que nega que o projeto cerceie a liberdade de imprensa. Para ele, quem diz que o texto abre brecha para punir jornalistas não teve "clareza jurídica e técnica suficiente para compreendê-lo". No texto, Tarso diz que o acesso à informação e o sigilo da fonte constituem elementos importantes da democracia para o exercício da liberdade de imprensa.
"Além de serem prerrogativas constitucionais que não poderiam ser alteradas por qualquer projeto", completa Tarso, por escrito.
Ministério da Justiça: "Há cadeia criminosa do grampo"
O artigo que provoca polêmica e permite a interpretação de que jornalistas e veículos de comunicação podem ser punidos é o inciso 2 do parágrafo primeiro do projeto. Esse trecho prevê punição para quem utilizar escuta telefônica para "fins diversos dos previstos em lei". O Ministério da Justiça diz que o objetivo da redação desse artigo é "acabar com a cadeia criminosa que se formou em torno da prática de grampo ilegal", sem entrar no mérito da punição aos jornalistas.
Para a ANJ, o governo busca formas de impedir a livre circulação de informações. "Trata-se de um ataque ao direito dos cidadãos, que devem ser livremente informados, e um evidente desserviço aos princípios democráticos".