Título: Governo dos EUA anuncia maior plano de ajuste financeiro desde os anos 30
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 20/09/2008, Economia, p. 30

ABALO GLOBAL: Montante gasto em socorro será equivalente a um Brasil e meio

Tesouro fala em centenas de bilhões, e economistas calculam US$2 tri

José Meirelles Passos

WASHINGTON. Numa tentativa de estancar, o quanto antes, a turbulência que ameaça ruir de forma violenta o sistema financeiro dos Estados Unidos, o governo americano sugeriu ontem ao Congresso Nacional a maior e mais ampla intervenção federal nos seus mercados financeiros já realizada desde a época da Grande Depressão, nos anos 30.

- A intervenção do governo não é apenas justificada: ela é essencial - afirmou o presidente George W. Bush.

O secretário do Tesouro americano, Henry Paulson, disse que o custo desse ajuste chegará a "centenas de bilhões de dólares". O objetivo é aprovar um pacote de medidas urgentes e de médio prazo. Ele será negociado com os parlamentares ao longo deste fim de semana, com a perspectiva de ser aprovado na próxima quarta ou quinta-feira. Os detalhes do plano foram enviados ao Congresso ontem à noite pelo presidente Bush, segundo uma fonte ouvida pela agência Reuters.

- Isso vai acontecer, de uma forma ou de outra, em cinco ou seis dias. A idéia é estabelecer um chão firme sob o mercado - disse o vice-líder republicano na Câmara, Roy Blunt.

Em seguida, no entanto, ele acrescentou que se trata de uma iniciativa de emergência sem muitas garantias:

- Ainda é cedo para saber se a nova legislação (que dará vida ao pacote) é suficientemente boa para atingir o alvo.

O custo será alto, alertou o próprio Bush, antecipando aos contribuintes que eles terão de pagar "uma parcela significativa" desse socorro de emergência ao setor privado:

- Este é um momento fundamental para a economia dos EUA. Na história de nossa nação tem havido momentos que requerem que nos unamos, independentemente de nossas posições partidárias, para enfrentar grandes desafios. E este é um daqueles momentos - disse Bush, ao anunciar a iniciativa, ladeado pelo secretário Paulson; pelo presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Ben Bernanke; e pelo chefe da Comissão de Valores Mobiliários (a SEC americana), Christopher Cox.

Parlamentares tiveram teleconferência

Os parlamentares, que terão que aprovar parte do pacote, foram informados das medidas pelas autoridades, via teleconferência em circuito fechado. Especialistas como Kenneth Rogoff, ex-economista chefe do Fundo Monetário Internacional, acreditam que o ajuste do sistema financeiro americano poderá custar até US$2 trilhões. Esse total leva em conta quase US$1 trilhão já gasto pelo governo desde o início da crise.

Ou seja: o custo será equivalente a cerca de 14% do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA (ou quase uma vez e meia todo o PIB do Brasil). Ao justificar a sua medida, Bush - cujo governo é acusado de negligência por ter incentivado que o próprio mercado se regulasse - procurou sair pela tangente:

- Haverá muito tempo para debater as origens desse problema. Agora é hora de resolvê-lo.

A perspectiva de aprovação do pacote pelo Congresso é bastante favorável. Faltando apenas seis semanas para a eleição presidencial, nenhum dos dois partidos quer se tornar um empecilho na resolução de um problema que, se não for atacado com urgência, poderá azedar ainda mais o padrão de vida dos americanos.

FMI vai facilitar acesso a crédito a países afetados

A aprovação, no entanto, não estará livre de queixas e retaliações ao longo da discussão do pacote, cujos detalhes ainda são vagos. Paulson disse que evitara antecipar medidas específicas justamente para poder discutir com os parlamentares as idéias que ele têm em mãos. O que se sabe é que uma das providências prioritárias seria a compra, pelo governo, de dívidas dos bancos que tiveram rombos por causa dos calotes no setor imobiliário - que detonou a explosão financeira.

- Está se falando muito de instituições financeiras com graves problemas mas o que temos de encarar, para valer, é o fato de que estamos vivendo agora uma crise de liquidez - disse ontem o vice-presidente sênior do Citicorp, Bill Rhodes.

Também ontem o Fundo Monetário Internacional (FMI) anunciou que facilitará o acesso a crédito aos países vítimas a crise que adotarem políticas econômicas "adequadas".