Título: Nos trataram como criminosos
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 20/09/2008, O Mundo, p. 39
JOSÉ MIGUEL VIVANCO
SÃO PAULO. Era meia-noite quando o diretor para as Américas da Human Rights Watch, José Miguel Vivanco, foi cercado por mais de 20 policiais na porta de seu quarto de hotel, em Caracas. Aos empurrões, ele e seu vice-diretor, Daniel Wilkinson, foram conduzidos até um avião da Varig que os esperava. Souberam que viriam para São Paulo por uma aeromoça.
Como foi a sua saída?
JOSÉ MIGUEL VIVANCO: Tivemos um dia cheio, com a divulgação do relatório. Nos reunimos com jornalistas, com embaixadores de vários países. À noite, voltávamos do jantar no hotel para o quarto, quando um grupo de mais ou menos 20 policiais civis e militares no informou que tínhamos que sair do país. Eles já haviam retirado nossas coisas do quarto. Nós exigimos que nos deixassem usar os telefones, para avisar nossas embaixadas e familiares, mas não nos deixaram. Tomaram nossos celulares e nos empurraram. Nossas ligações foram interrompidas. Foi tudo aos empurrões. Depois os devolveram, mas sem as baterias.
Como os senhores foram conduzidos ao aeroporto e por que para São Paulo?
VIVANCO: Eles nos colocaram em carros blindados, com batedores, como se fôssemos criminosos muito perigosos. Não nos informavam nada, não atenderam nossos pedidos de fazer qualquer ligação, nada. Lá, havia um avião da Varig, que depois soubemos, foi obrigado a nos aguardar por duas horas. Compraram nossas passagens e nos colocaram no vôo. Lá já éramos conhecidos como os "deportados", e perguntamos nosso destino. A aeromoça nos disse que viríamos para São Paulo.
O que mais foi retirado dos senhores, além das baterias?
VIVANCO: Todas as cópias do nosso relatório. Que, aliás, está na internet desde ontem. Para pegar meu passaporte, tive que suplicar, porque ele estava no cofre do quarto. Não escreveram nada em nossos passaportes, não falaram nada.
O governo da Venezuela afirma que a HRW é bancada pelo governo dos Estados Unidos e que os senhores não tinham nenhum visto...
VIVANCO: São falácias, para mudar o foco real. Nossa organização é totalmente financiada pela iniciativa privada e não precisávamos de visto. Eu, como cidadão chileno, e Daniel, como americano, também não precisou. Só declaramos ao chegar que estávamos no país a trabalho, o que é verdadeiro.
Como vocês poderão fazer este trabalho agora?
VIVANCO: Continuaremos trabalhando como fazemos com todos os países do mundo que não nos deixam entrar, como Cuba. O que fica é que não podemos abandonar a Venezuela.
Qual era a impressão geral que o senhor tinha da Venezuela antes do episódio?
VIVANCO: Que é uma sociedade que sofreu um retrocesso muito sério no aspecto da democracia. Há uma crescente intolerância do governo a todo tipo de críticas. O governo nunca está disposto a debater e, simplesmente, desqualifica todo aquele da sociedade civil que o critica como conspirador, golpista, (e faz) todo tipo de acusação para evitar uma discussão de fato.
E agora, após ter sido expulso?
VIVANCO: Estamos falando de um governo de extrema intolerância. Diante de qualquer crítica, Chávez reage acusando o crítico como se fosse um títere dos EUA. É uma tática para desacreditar as pessoas que discordam dele. Mas a Venezuela é um país muito dividido, entre os que apóiam e aqueles que não podem criticá-lo. (S.A.)