Título: Vivendo mais e mal
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 22/09/2008, Economia, p. 19

Doença compromete até 13 anos de vida do brasileiro, pressionando gastos com previdência

Gustavo Paul

Aesperança de vida do brasileiro tem aumentado nas últimas décadas (em 1980 era de 62,5 anos, subindo para 72,3 anos em 2006), mas isso não significa que todas as crianças nascidas recentemente chegarão saudáveis à velhice ou mesmo conseguirão alcançá-la. Tal situação pressionará ainda mais os gastos com saúde e previdência social, pode reduzir a capacidade econômica do país e vai pôr a economia em desvantagem diante dos principais países emergentes. Esta é a principal conclusão de uma pesquisa recém-concluída pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que tem como foco um dos fatores de fragilidade do perfil social brasileiro: a diferença entre o período de vida saudável e a expectativa de vida.

A pesquisa aponta que o homem brasileiro passa, em média, 11,1 anos de sua vida com a saúde comprometida e as mulheres, 13,5 anos. Cerca de um em cada 7,7 anos de vida deverá, para os que nasceram em 2003, ocorrer em condições de vida precárias. Nos Estados Unidos, por exemplo, são 9,4 anos para os homens e 8,2 para as mulheres. No caso da Rússia, Africa do Sul e Índia, esse tempo de vida é menor, mas a razão é outra, mais dramática:

- Ali, em média, a população não saudável tem menor assistência e morre rapidamente - explica Maria Piñon Dias, co-autora do estudo.

Com base em dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), Milko Matijascic, diretor do Ipea no Centro Internacional da Pobreza, concluiu que, em média, um terço dos homens brasileiros e um quinto das mulheres nascidos entre 2000 e 2005 não vão comemorar o aniversário de 65 anos de idade. Esses dados se baseiam na situação atual brasileira e preocupam, se comparados a outros países.

Chance de morrer cedo é maior que na China

A probabilidade de morrer precocemente no Brasil supera a da China, país de renda per capita e desenvolvimento humano inferiores. Também é grande a distância em relação aos países desenvolvidos, onde 80% dos homens e até 90% das mulheres, em média, esperam comemorar os 65 anos. O Brasil está atrás da Argentina e do México. Ficam em situação pior que a brasileira apenas Rússia, África do Sul e Índia, que ainda têm sérios problemas de Aids, doenças parasitárias e alcoolismo.

Soma-se a essa realidade outra ainda mais preocupante. A pesquisa mostra que o Brasil é o país onde a perda de anos de vida saudável é mais elevada em relação aos 11 países pesquisados. Tal situação faz com que uma parcela importante da população brasileira se torne dependente da família ou da sociedade nos últimos anos de vida, particularmente em um período em que ela poderia estar produzindo.

- A perda de anos saudáveis reduz a competitividade do país. Se uma pessoa deixa de trabalhar, ela não produz e deixa de gerar riqueza, além de não contribuir com a previdência. Em várias situações, uma pessoa da família passa a cuidar dela, reduzindo também sua capacidade de produção e aumentando as despesas familiares. Ao mesmo tempo, o poder público gasta mais com previdência e saúde - explica Matijascic.

No Brasil, a morbidade ainda é grande por fatores que deixaram de existir nos países desenvolvidos, pelo menos em grande escala. Dados da OMS mostram que o país é o que registra, proporcionalmente, mais mortes por violência em relação aos 11 países pesquisados - 4,7% das mortes têm essa razão, contra 2,8% das mortes na África do Sul, segunda colocada neste quesito. No Brasil é elevada a morbidade por doenças parasitárias, infecciosas e respiratórias, se comparada aos países desenvolvidos.

"Vários obstáculos relacionados a doenças, sobretudo as crônicas, que evoluem lentamente, podem fazer com que a expectativa de vida saudável seja inferior à expectativa de vida total", diz o estudo.

É o caso da psicóloga Mayara Goulart Farias Victório, de 51 anos, aposentada desde os 37 anos, quando foi diagnosticada com esclerose múltipla. A então gerente de uma agência do Banco de Brasília (BRB) teve que abandonar a carreira e passar a viver da aposentadoria para cuidar dos três filhos.

- Poderia ser hoje até diretora do banco. Tive que restringir gastos e cortar despesas. Minha medicação é caríssima. A privação econômica me priva mais do que as limitações do meu corpo - diz Mayara.

Esse quadro implica, ainda, pressão sobre os gastos previdenciários, se houver a concessão de aposentadorias por invalidez e nos gastos com saúde. Entre 2005 e 2006, 57,4% das aposentadorias de duração indeterminada se deveram a fatores de risco (acidentes e doenças) e 42,6% a fatores previsíveis, como a idade.

Por traçar um perfil do futuro brasileiro, os pesquisadores lembram que o quadro pode ser alterado por meio de políticas públicas. O Ministério da Saúde reconhece o problema. O coordenador Geral da Saúde do Idoso, José Luiz Telles, lembra que o problema não é envelhecer, mas envelhecer mal. A estratégia para reduzir esse problema, diz Telles, é investir em prevenção, diagnósticos e controle de doenças. Estatísticas apontam que cerca de 40% dos portadores de diabetes e hipertensão não sabem que são portadores das doenças:

- Os dados da pesquisa preocupam bastante e já haviam sido identificados nos últimos anos. Temos que investir no diagnóstico precoce. A população brasileira envelheceu rapidamente nas últimas décadas, mas a sociedade não se preparou para isso.

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