Título: Eu prometo, todos prometem...
Autor: Tabak, Flávio; Marqueiro, Paulo
Fonte: O Globo, 21/09/2008, O País, p. 8

Bilhete único, licitação de linhas de ônibus e vans e ocupação de vazios urbanos são unanimidade entre candidatos

Flávio Tabak e Paulo Marqueiro

A duas semanas das eleições, o Rio parece ainda longe de poder cravar o nome do prefeito que administrará a cidade pelos próximos quatro anos - as pesquisas indicam que a disputa está cada vez mais embolada - mas, independentemente de quem vá governar o Rio, já é possível prever o que ele - ou ela - fará durante o mandato. Ou, ao menos, o que diz que fará. Por uma razão simples: muitas das propostas coincidem, embora seus autores pareçam, às vezes, estar em lados opostos do ringue.

A julgar pelos projetos anunciados durante as sabatinas no GLOBO, os cariocas podem esperar, por exemplo, a licitação das linhas de ônibus e de vans, a implantação do bilhete único, a construção de unidades habitacionais nos terrenos abandonados ao longo da Avenida Brasil, a revitalização do Centro, a contratação de mais servidores e o aumento do efetivo da Guarda Municipal, prometidos por quase todos os candidatos. Eles se igualaram até no fato de não explicar, concretamente, de onde vão tirar os recursos necessários para esses planos.

Algumas das propostas feitas por Eduardo Paes (PMDB), Marcelo Crivella (PRB), Jandira Feghali (PCdoB), Fernando Gabeira (PV), Solange Amaral (DEM), Alessandro Molon (PT) e Chico Alencar (PSOL) são velhas conhecidas dos cariocas. Como a revitalização da Zona Portuária, região onde o prefeito Cesar Maia tentou erguer uma filial do Museu Guggenheim que levaria a assinatura do arquiteto Jean Novel. Alvo de intensa polêmica, o projeto, considerado uma espécie de âncora para o desenvolvimento da região, não prosperou. "A recuperação da área do porto é fundamental. Se recuperarmos aquela região de Saúde, Santo Cristo, Gamboa e Morro da Conceição, o cais e os armazéns, já temos uma nova base ", disse Gabeira, que sonha ainda com a construção de um aquário no Centro.

Promessas de contratação

Por mais que não tenha tirado do papel a idéia do Guggenheim, Cesar conseguiu erguer a Cidade da Música, bombardeada por quase todos os entrevistados. Apenas Solange Amaral, apoiada pelo prefeito, disse que o projeto, previsto para ser inaugurado até o fim do ano, é viável: "Eu gastaria sim R$500 milhões com a Cidade da Música", afirmou Solange, acrescentando: "O Rio vai se orgulhar muito da Cidade da Música".

Molon chegou a dizer que a obra corre o risco de "quebrar a prefeitura", enquanto Gabeira a classificou como um "elefante branco". Para Paes, a Cidade da Música não é "viável do ponto de vista econômico". O candidato disse já pensar numa concessão para administrar a futura casa de espetáculos.

Prometida por praticamente todos os candidatos, a construção de moradias populares em áreas abandonadas da Avenida Brasil foi tratada como uma das soluções para o déficit habitacional do Rio. Mas a proposta enfrenta um desafio: muitos desses imóveis - legado de empresas que deixaram o Rio ou se mudaram para outras regiões da cidade - foram ocupados e se transformaram em favelas.

É de se esperar também um aumento do número de servidores públicos - hoje em torno de 140 mil - já que quase todos os candidatos disseram que vão contratar, principalmente em saúde, educação e na Guarda Municipal. "Serviço público é feito por gente. Existe um mínimo de pessoas necessário", disse Molon. " É preciso aumentar o efetivo (da Guarda), ampliar a presença nas ruas", afirmou Solange. "Quero dobrar o efetivo da Guarda. Isso vai ser ótimo", declarou Crivella. "Estou seguro de que é preciso fazer algumas contratações nas áreas de saúde e educação", assegurou Paes. "Para ter gente nos postos de saúde e professor na escola, vou ter de gastar", anunciou Jandira.

A transformação dos 5.400 guardas municipais de celetistas em estatutários foi defendida por pelo menos quatro candidatos: Paes, Crivella, Jandira e Molon. A mudança, que segundo especialistas poderia aumentar os gastos da prefeitura, é chamada de demagógica por César, que considera a alteração inconstitucional. Gabeira disse pode mudar o regime, desde que com um acordo contra greves.

Parece líquida e certa também a licitação das linhas de ônibus e de vans, compromisso assumido por todos os candidatos nas sabatinas do GLOBO. Para que isso aconteça, porém, será preciso mais do que vontade política, já que hoje a questão está sub judice. A prefeitura, que chegou a lançar um edital para licitar parte das 400 linhas do município, suspendeu o processo por ordem da Justiça. A regularização das vans também não parece tarefa fácil. "É claro que vamos ter de enfrentar algumas máfias que estão se instalando ali", disse Chico Alencar, referindo-se às milícias que controlam parte desse tipo de transporte.

As promessas de parcerias, com a iniciativa privada ou com os governos federal e estadual, também foram quase uma unanimidade entre os candidatos. Para Gabeira, acordos da prefeitura somente com a União e o estado não bastam: "Acho ótimo, mas descobri que isso é insuficiente. Se você não juntar, além dos três governos, a iniciativa privada e a sociedade, os problemas não serão resolvidos".

A disposição em estabelecer obras conjuntas para a cidade não foi o único argumento para supostos acordos. Alguns dos candidatos disseram ser próximos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como Crivella, que afirmou ter "relacionamento promissor" com Lula. Molon, por sua vez, disse acreditar, "com certeza absoluta", ser o candidato do presidente no Rio; enquanto Paes, que como relator da CPI dos Correios fez duras críticas a Lula, também pregou a união com o governo federal.

Doadores são revelados

Em disputa acirrada para o segundo turno, os candidatos também se atacaram, embora o principal alvo tenha sido a administração de Cesar Maia, chamada de "débil" por Chico, "antidemocrática" por Jandira, "pouco transparente" por Paes, e "omissa" por Molon. A vinculação de Crivella com a Igreja Universal também foi criticada pelos adversários. De acordo com Chico, não é possível apoiar "quem usa a religiosidade humana". Para Jandira, "nenhuma gestão pode estar vinculada a uma religião". Já Crivella disse que vai "governar para todos".

O candidato do PRB também falou sobre a conversa que tivera com Jandira: "Ela jantou lá em casa, e combinamos de um não atacar o outro. No segundo turno, preciso muito das alianças". Jandira confirmou o encontro, mas se defendeu: "Nunca houve acordo para apoiá-lo no segundo turno".

Antes das sabatinas, apenas Chico, Molon e Gabeira divulgavam na internet a lista de doadores, por mais que a Justiça Eleitoral só exija, por enquanto, as informações do total arrecadado. Questionados sobre a falta de transparência, os entrevistados cederam.

O primeiro foi Crivella, que prometeu na sabatina, mas divulgou somente a lista parcial dos doadores na internet. Jandira se mostrou surpresa quando foi informada de que não tinha divulgado os dados. E até ameaçou demitir o assessor. No mesmo dia, as informações surgiram no site de campanha. Paes defendeu o sigilo dos doadores na entrevista e disse que não faria qualquer tipo de divulgação, mas cedeu 48 depois e enviou a lista ao GLOBO. A última a decidir tornar públicos os financiadores de campanha foi Solange. Ela identificou seus doadores na tarde de sexta-feira.

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