Título: Não pode haver propaganda enganosa
Autor: Brígido, Carolina; Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 21/09/2008, O País, p. 10

Presidente do TSE defende que cidadão possa ir à Justiça contra político que não cumprir promessas de campanha

BRASÍLIA. Com o olhar calmo e a fala pausada, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Carlos Ayres Britto, defendeu a bandeira para impedir que candidatos com ficha suja concorressem às eleições. Foi derrotado. Agora, abre fogo contra candidatos que, eleitos, não cumprem promessas. Para ele, a mentira de campanha é comparada à propaganda enganosa. Simpatiza com a idéia de que o cidadão possa ir à Justiça contra esse tipo de político. Mas ainda cobra do Congresso lei proibindo políticos com vida pregressa manchada de participar das eleições de 2010. Britto diz que prefere votar no "menos ruim" a votar em branco. Nesta entrevista, para a qual leitores do GLOBO enviaram perguntas pela internet, ele diz que o envio de tropas ao Rio já deu às comunidades "a sensação de que poderão votar com liberdade".

Carolina Brígido e Isabel Braga

O Ministério Público ou o cidadão pode entrar com uma ação na Justiça contra um político que não cumpriu promessa de campanha? [Pergunta do leitor Aloysio de Oliveira Neves]

CARLOS AYRES BRITTO: Por enquanto, essa cobrança de promessa não cumprida se faz apenas no plano político. Mas há um movimento para que ela passe a se fazer também no plano jurídico, uma espécie de extensão ao direito eleitoral de um princípio do direito do consumidor: não pode haver propaganda enganosa. O futuro sinaliza nessa direção.

Apóia esse tipo de ação?

AYRES BRITTO: Quando o candidato faz de uma determinada política pública sua plataforma por excelência e não cumpre, deveria (ser cobrado judicialmente). Mas os mecanismos legais ainda não existem.

É necessário mudar a lei?

AYRES BRITTO: O direito é sempre um permanente desafio. Se você me perguntar se já é possível, no julgamento de um caso concreto, proferir um voto assegurando esse direito ao eleitor, eu diria que, neste momento, não tenho como formatar juridicamente o tema. Mas vou seguir meditando.

Por que um cidadão que possui o "nome sujo" no Serasa não pode assumir um cargo em órgão público, e um candidato que responde a processo na Justiça pode ser empossado no cargo? [Pergunta do leitor Cristiano Nascimento Costa]

AYRES BRITTO: Se o direito eleitoral é o reino do coletivo, como é que alguém quer representar todo o povo se o seu histórico de vida é permeado de condutas notoriamente e reconhecidamente desabonadoras? Todavia, este assunto está encerrado para essa eleição, porque o Supremo já decidiu.

"As comunidades experimentam conforto psicológico"

O senhor vê perspectiva de mudança para 2010?

AYRES BRITTO: Espero que o próprio Legislativo produza algo de novo na matéria, exigindo dos candidatos uma boa vida pregressa como condição de elegibilidade, com os critérios objetivos constando de lei.

Como classifica a atuação das tropas militares no Rio?

AYRES BRITTO: As autoridades, em coalizão de forças, têm dado o melhor de si para que a eleição se processe sob um clima de legitimidade. Os resultados são visíveis. As próprias comunidades, até então acossadas, coagidas, têm dado declarações de que experimentam um conforto psicológico muito grande, que já têm a sensação de que poderão votar com liberdade.

Como avalia as campanhas? Há impressão de calmaria.

AYRES BRITTO: Despoluímos as ruas com aquela lei de 2006, que está sendo aplicada pela primeira vez em eleições municipais. Não permitimos mais aquela poluição de cartazes, nem se pode mais fazer showmício. Isso dá a impressão de uma campanha insossa, insípida. Há uma paz geral que não é a paz do túmulo, é a paz dos ânimos menos exaltados. O que queremos é uma eleição mais participativa, não uma eleição fratricida.

O caixa 2 ainda preocupa?

AYRES BRITTO: É preciso que o candidato evite, intransigentemente. Quem faz caixa dois financia ilicitamente a campanha. E os financiadores ilícitos cobram. Isso se traduz em corrupção, desvios de verbas, dispensa de licitação, superfaturamento, concessão e permissão na utilização de serviços públicos.

A Justiça Eleitoral tem capacidade para coibir isso?

AYRES BRITTO: É preciso que toda a Justiça Eleitoral prime por um rigor na prestação de contas dos candidatos. É talvez o maior ponto de fragilidade estrutural do sistema. A eleição é uma competição e a tentação do ganho eleitoral muitas vezes é forte demais para a frágil natureza humana.

É a favor do financiamento público de campanha?

AYRES BRITTO: Sim. Não é a saída ideal. Entre o financiamento público total e o risco de caixa dois, não tenho dúvida: fico com o financiamento público.

O que acha da arrecadação de recursos pela internet?

AYRES BRITTO: Simpatizo muito com essa idéia. Mas é preciso identificar a origem da doação. E isso é possível.

Já votou em branco?

AYRES BRITTO: Não. Termino dizendo a mim mesmo: eleição é como a própria vida, nem sempre nos oferece uma opção clara entre o bom e o ruim. Descarto aquele que sei que vai dinamitar as bases da democracia.

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