Título: Impasse com Chávez continua
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 27/05/2009, Mundo, p. 19

Em reunião com Lula, presidente venezuelano rejeita acordo sobre a parceria com a Petrobras para a refinaria Abreu e Lima. Falha no sistema de tradução vaza detalhes de negociação entre as estatais

Na ¿ciudad mágica¿, como costuma referir-se a Salvador, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, se encontrou com o colega Luiz Inácio Lula da Silva para mais um encontro trimestral. E tentou realmente fazer mágica: conseguir mais dinheiro do Brasil em troca de promessas de integração e de não estatizar o capital brasileiro no país. Chávez garantiu um convênio de cooperação técnica da Caixa Econômica Federal (CEF) para criar uma rede bancária pública e um sistema de financiamento de casas populares na Venezuela, além da ampliação de uma linha de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para projetos de infraestrutura no país. Mas, quando o assunto foi petróleo, o entendimento travou.

A Petroleos de Venezuela (PDVSA) ainda não investiu na refinaria binacional Abreu e Lima, na qual teria uma parceria com a Petrobras, em Pernambuco. No entanto, a estatal busca o direito de vender o petróleo importado no Brasil ¿ exclusividade da empresa brasileira. Chávez manifestou essa ¿frustração¿ a Lula e ao presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli. ¿Lamentável não sermos capazes de fazer um acordo. Confesso que estou frustrado. A culpa é dos dois governos¿, protestou. A Venezuela deveria entrar com 40% dos recursos para a construção da refinaria, mas só o Brasil investiu na obra. O valor necessário para a refinaria está estimado em US$ 4,5 bilhões ¿ quase o mesmo montante que o BNDES deve liberar para projetos na Venezuela.

A conversa entre Lula, Chávez e Gabrielli vazou no sistema de tradução simultânea montado para a entrevista coletiva. Durante uma hora, os jornalistas presentes no Hotel Pestana, local do encontro, ouviram todos os detalhes da difícil negociação sobre a refinaria binacional. O contrato de parceria entre Brasil e Venezuela venceria ontem, mas Gabrielli pediu 90 dias para resolver três pontos pendentes: custos de investimento, preço do petróleo e comercialização do produto. Lula brincou: ¿Se eu conseguir eleger a Dilma (Rousseff, ministra da Casa Civil), eu já disse para o Gabrielli, eu vou ser o presidente da Petrobras e você, Gabrielli, vai ser meu assessor, e o acordo (com a Venezuela) vai sair¿. ¿E eu vou fazer o quê? Não quero fazer nada¿, admitiu Chávez.

Os presidentes conversaram sobre o processo de nacionalização liderado na Venezuela, que já afetou fábricas de processamento de leite, siderúrgicas e petroleiras estrangeiras. ¿Estamos numa fase de nacionalização de empresas no país. Menos as brasileiras¿, disse Chávez. O BNDES prometeu emprestar US$ 4,3 bilhões para projetos de infraestrutura realizados por empresas brasileiras na Venezuela, como o metrô de Caracas, obra da Odebrecht. ¿Tentei conversar com Dom Emilio (presidente da Odebrecht) para ir ao socialismo. Ele riu e me disse que não¿, contou Chávez.

TV digital Lula tentou convencer o Ministro de Ciência e Tecnologia e Indústrias Intermediárias da Venezuela, Jesse Chacón, a adotar o padrão japonês de TV digital, escolhido pelo Brasil. Alinhado com a decisão cubana, Chávez tem reiterado o interesse pelo padrão chinês (DTMB). Uma reunião em Salvador apresentou às autoridades venezuelanas o padrão ISDB-T de TV digital ¿ japonês com inovações brasileiras ¿ e prometeu abrir mão dos direitos autorais de uso do software de interatividade Ginga, caso Chávez escolha o modelo. Os chefes de Estado revisaram o processo de adesão da Venezuela ao Mercosul e detalhes da cúpula da União de Nações Sul-americanas (Unasul), prevista para julho, no Chile.

-------------------------------------------------------------------------------- Se eu conseguir eleger a Dilma, eu já disse para o Gabrielli: eu vou ser o presidente da Petrobras e você, Gabrielli, vai ser meu assessor. E o acordo (com a Venezuela) vai sair

Luiz Inácio Lula da Silva, brincando com Chávez