Título: Aliados de Micheletti e Zelaya saem às ruas
Autor: Aggege, Soraya; Coimbra, Rafael
Fonte: O Globo, 25/09/2009, O Mundo, p. 32

Embaixada segue isolada por 2 mil homens; dentro, clima de penúria faz escova de dente ser usada por dez pessoas

SÃO PAULO e TEGUCIGALPA. A capital hondurenha tentava ontem voltar à normalidade depois que o governo do presidente interino Roberto Micheletti suspendeu o toque de recolher no país, e lojas e supermercados reabriram as portas. Enquanto hondurenhos voltavam ao trabalho e corriam a postos de gasolina, bancos e farmácias para se reabastecerem, aliados tanto do governo interino quanto do presidente deposto, Manuel Zelaya, saíram às ruas de Tegucigalpa para protestar, sob forte vigília policial. Apesar de não ter havido confrontos pesados no centro da cidade, o clima era de muita hostilidade.

Seguidores de Micheletti realizaram uma grande passeata em que gritavam palavras de ordem contra Zelaya e contra o Brasil. ¿Lula, não se meta nos assuntos de Honduras¿, dizia um cartaz. Outro, num trocadilho com rima em espanhol, pedia prisão a Zelaya e ao Brasil.

Os quatro principais aeroportos do país reabriram para voos domésticos e internacionais de carga. Voos internacionais para passageiros, suspensos desde segunda-feira, deveriam ser retomados hoje. Até agora, empresários estrangeiros e turistas pegos de surpresa pela crise estavam viajando de carro a aeroportos de países vizinhos para voar de volta para casa.

Com tensão e barulho, apenas meia hora de sono Somente em volta da embaixada, onde Zelaya está abrigado, havia cerca de dois mil militares e policiais, formando um cordão de isolamento. Jornalistas eram obrigados a se manter a cerca de 100 metros do portão da representação diplomática. Do lado de dentro, Zelaya, sua família, cerca de 40 aliados e parte do corpo diplomático brasileiro continuavam acampados, se revezando para dormir no chão e racionando água e comida.

De manhã, houve uma missa dentro da embaixada e um padre distribuiu hóstias. Um dos hondurenhos, um escritor, contou que há três dias não escovava os dentes, e que finalmente conseguiu fazer sua higiene bucal ontem, compartilhando a escova com outras nove pessoas.

Zelaya compartilha um pequeno luxo com a mulher, Xiomara Castro: um colchão inflável em um dos quatro quartos do prédio. Os outros se acomodavam em colchonetes e poltronas e muitos se revezavam no chão.

Do lado de fora, aliados usavam jornais para forrar o chão e alguns estavam enrolados em cobertores.

Quem resolveu lavar as roupas (a maioria está apenas com a roupa do corpo desde segundafeira) usou até arbustos do quintal como varal.

Dois brasileiros que trabalham na embaixada em Honduras vivem um drama peculiar.

Impedidos de sair do prédio desde segunda-feira, eles dividem com os hondurenhos dias de tensão constante. A cada momento, chegam mensagens nos celulares dos hondurenhos que acompanham Zelaya com avisos de que os militares invadirão o prédio em breve. Os barulhos são sempre identificados como de tiros, bombas e os gritos de manifestantes os impedem de dormir por períodos superiores a meia hora.

¿ Desde segunda-feira estávamos com a mesma roupa, sem poder sequer tomar banho.

Só ontem conseguimos roupas e banho. Só estávamos comendo biscoitos, não havia comida. Aqui você não dorme mais que meia hora. A cada momento é uma notícia pior ou uma ameaça. Creio que não sairemos daqui antes de domingo ¿ disse o responsável pelo setor de comunicação da embaixada, Wilson Batista.

Hondurenhos voltam a compartilhar comida O outro brasileiro é o diplomata Francisco Rezende Catunda.

Ele espera para hoje a chegada de uma delegação da OEA, incluindo o secretáriogeral da entidade, José Miguel Insulza. O Itamaraty, segundo ele, também enviará mais diplomatas ao local.

Uma das preocupações dos funcionários da embaixada brasileira é com o risco de os manifestantes atearem fogo nos veículos que ficaram retidos no prédio. Os carros diplomáticos do Brasil estão impedidos de circular em Honduras.

¿ Temos uns dez carros na garagem, bem expostos. E se atearem fogo?¿ disse Batista.

A alimentação chega pela ONU, para os hondurenhos, que somente ontem decidiram dividir a comida com os funcionários: ¿ Eu disse a eles: escuta, se vocês não dividirem isso conosco, nós morreremos de fome.

Daí conversamos e eles passaram a dividir. Agora estamos nos alimentando bem¿ contou Batista, dizendo haver temores de ataques de represália contra familiares de membros da Embaixada.

Com agências internacionais