Título: Progresso na vacina anti-Aids
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Fonte: O Globo, 25/09/2009, Ciência, p. 34

Pela primeira vez em 20 anos, um produto experimental tem resultado positivo

Cientistas americanos e tailandeses anunciaram ontem os primeiros resultados positivos alcançados por uma vacina experimental contra a infecção pelo HIV, após duas décadas de pesquisas fracassadas em busca de um produto capaz de proteger contra uma das piores pandemias enfrentadas pela Humanidade. O imunizante (na verdade, o uso combinado de dois produtos) reduz em um terço o risco de se contrair o vírus ¿ um percentual baixo do ponto de vista da imunização, mas muito importante para o avanço da pesquisa.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Programa de Aids da ONU (Unaids) afirmaram que os resultados ¿infundem novas esperanças¿ no campo da pesquisa em busca de uma vacina para o HIV. A cada dia, 7,5 mil pessoas são infectadas pelo vírus; dois milhões morreram de Aids em 2007.

O novo produto foi testado em 16 mil pessoas na Tailândia, na maior experiência deste tipo já realizada no mundo. Embora uma vacina de verdade ainda seja uma realidade distante, cientistas classificaram o anúncio de ontem como um significativo avanço científico.

Produtos foram desacreditados

O estudo foi realizado pelos governos dos Estados Unidos e da Tailândia ao longo de três anos com voluntários homens e mulheres soronegativos, entre os 18 e os 30 anos. Metade das pessoas recebeu o novo produto e a outra parte, placebo. Todos receberam aconselhamento sobre prevenção do HIV. Os participantes foram testados a cada seis meses para o vírus da Aids ao longo de três anos.

A vacina é baseada nas linhagens B e E do HIV ¿ as mais comuns na Tailândia. Não se sabe se haveria algum resultado com o subtipo C, por exemplo, mais comum na África, onde estão 70% dos casos da doença.

Os resultados mostraram que, no grupo que recebeu placebo, 74 pessoas contraíram o vírus. Entre os que tomaram a vacina experimental, o número de contaminados foi 51. Ou seja, o risco de contrair o HIV foi reduzido em 31,2% com o novo produto.

Embora o benefício seja modesto ¿ uma vacina não seria aprovada para o mercado se não apresentasse resultados positivos em pelo menos 70% das pessoas ¿, os cientistas se mostraram empolgados.

¿ Trata-se da primeira evidência de que podemos ter uma vacina preventiva segura e eficaz ¿ afirmou o coronel Jerome Kim, do laboratório do Exército dos EUA, que ajudou a coordenar o estudo, financiado pelo Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas.

O diretor do instituto, Anthony Fauci, frisou que ¿não se trata do fim da jornada¿, mas afirmou estar muito surpreso e contente com os resultados.

¿ Me dá um otimismo cauteloso a possibilidade de aprimorar o resultado e o desenvolvimento de uma vacina mais eficaz contra a Aids ¿ disse. ¿ Isso é algo que podemos fazer.

O novo produto é uma combinação de duas candidatas a vacina testadas individualmente no passado sem sucesso algum. Por conta disso, muitos cientistas desacreditaram a iniciativa quando ela teve início, em 2003.

Na nova combinação, a primeira substância estimula o sistema imunológico a atacar o HIV, enquanto a segunda fortalece a resposta.

Efeitos colaterais não registrados

As substâncias são a ALVAC, da Sanofi Pasteur, a divisão de vacinas do laboratório francês Sanofi-Aventis (usada em quatro doses); e a AidsVax (em duas doses de reforço), originalmente desenvolvida pela VaxGen e atualmente da Soluções Globais para Doenças Infecciosas, uma fundação sem fins lucrativos criada por ex-empregados da VaxGen.

¿ A combinação se revelou mais forte do que cada uma das substâncias individualmente ¿ afirmou Kim.

A ALVAC usa um vírus de varicela aviário alterado (incapaz de causar a doença em humanos) para levar para dentro do organismo versões sintéticas de três genes responsáveis pela produção de proteínaschave do HIV.

A ideia é que o sistema imunológico produza células de defesa capazes de reconhecer as proteínas virais no caso de uma infecção real e produza anticorpos para combater o vírus. A AidsVax é uma versão geneticamente alterada de uma proteína encontrada na superfície do HIV. Os produtos não apresentaram efeitos colaterais.

¿ O dia de hoje (ontem) é memorável ¿ afirmou Mitchell Warren, diretorexecutivo da Coalizão para uma Vacina contra a Aids, um grupo internacional que trabalha para desenvolver uma vacina. ¿ Ainda levará um tempo para analisarmos e entendermos completamente esses dados, mas não há dúvida que esta descoberta vai redirecionar toda a área de pesquisa de vacina para a Aids.

Os cientistas querem saber agora por quanto tempo a imunização vai durar; se novas doses de reforço serão necessárias, e se o produto ajuda a prevenir a infecção entre homossexuais e usuários de drogas injetáveis, uma vez que o teste foi feito com heterossexuais.