Título: Corrupção: mal crônico que piora em eleição
Autor: Autran, Gustavo
Fonte: O Globo, 02/10/2009, O País, p. 16

Tema mais abordado em site de debates do GLOBO continua intrigando especialistas e revoltando a sociedade

Pouco depois de ser condenado por embolsar a verba da construção de um aqueduto, no século XVI, o desembargador português Pero Borges foi nomeado ouvidor-geral no Brasil, o equivalente ao posto de ministro da Justiça na época. A história está no livro ¿A Coroa, a cruz e a espada: lei, ordem e corrupção no Brasil Colônia¿, do escritor Eduardo Bueno, lançado em 2006. Quase cinco séculos depois, o desvio de verbas públicas para atender a interesses particulares e o hábito de tirar vantagem de tudo ainda são problemas aparentemente sem solução por aqui.

Neste ano que antecede eleições, não faltaram denúncias de irregularidades no Senado, que atingiram em grande parte o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP). Em meio à crise, a taxa de aprovação do Congresso Nacional despencou. De acordo com pesquisa do Datafolha, divulgada em agosto, o índice de insatisfação com deputados e senadores chegou a 44%.

Não é à toa que a corrupção é o assunto que mais mobiliza os internautas no site da campanha ¿Nós e Você. Já são Dois G r i t a n d o ¿ ( o g l o bo.com.br/doisgritando), que entra amanhã em sua terceira semana, com mais de seis mil participações de leitores do Brasil inteiro. Apenas sobre corrupção, o site acumula mais de mil textos enviados pelos usuários. A maioria associando o problema crônico à certeza da impunidade.

¿ Fiscalização existe. Até porque, hoje, a imprensa, a Polícia Federal e o Ministério Público são livres para desempenhar seus papéis. O complicado é na hora de dar o castigo ¿ diz o cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB).

Ainda segundo Fleischer, 2009 requer um cuidado especial por ser um ano pré-eleitoral.

¿ Nessa época, os políticos estão empenhados em buscar fundos para suas campanhas.

Acho estranho, por exemplo, que justo neste momento a legalização dos bingos entre na pauta do Congresso ¿ afirma.

Sociedade se organiza para o combate à corrupção Mas se a corrupção persiste, as reações a ela se organizam cada vez mais. No último dia 28, integrantes do Movimento Contra a Corrupção Eleitoral (MCCE), com sede em Brasília, entregaram ao presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), documento que reúne 1,3 milhão de assinaturas a favor do projeto Ficha Limpa, o que corresponde a 1% do eleitorado nacional.

O objetivo é aprovar o projeto de lei que proíbe a candidatura de políticos condenados ou que respondem a processos graves na Justiça. Voluntários saíram a campo há um ano para reunir as assinaturas necessárias para serem encaminhadas ao Congresso. Só no Rio, o movimento estima que foram mais de cem mil as adesões.

¿ Mesmo que o Congresso Nacional não aprove, a Ficha Limpa está na pauta. Os eleitores estão atentos, e haverá uma mudança na conceituação política dos brasileiros.

Será uma vitória ¿ afirma Jovita José Rosa, diretora da secretaria executiva do MCCE.

A atuação do Legislativo já está no foco também de outras organizações não governamentais, como a Transparência Brasil, fundada há nove anos com o objetivo de combater a corrupção no serviço público. Desde 2006, a ONG monitora as casas legislativas de todo o país ao reunir informações sobre parlamentares.

Ao todo, são recolhidos todo ano dados sobre 2.368 políticos, que vão de ocorrências nas Justiças estaduais e nos tribunais de contas até informações sobre o uso de verbas indenizatórias.

Nesse balaio, entram os processos e as investigações sobre diversos delitos, desde crimes contra o meio ambiente a de corrupção eleitoral e abuso de poder econômico. Todo o conteúdo está disponível p a r a c o n s u l t a n o s i t e www.transparencia.org.br.

¿ No que diz respeito aos processos judiciais, só entram na contagem os que estão relacionados com o direito público, além dos crimes muito graves, como homicídio, estupro e pedofilia ¿ explica Fabiano Angélico, coordenador de projetos da Transparência Brasil.

O cenário desenhado pela ONG é desanimador. Trinta dos 70 deputados estaduais que compõem a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) têm seus nomes envolvidos em denúncias ¿ o que corresponde a 43% do total de parlamentares em exercício. Na Assembleia de São Paulo, o percentual sobe para 45%. No Senado e na Câmara, os índices são de 35% e 42%, respectivamente.

Na lista de parlamentares já denunciados por corrupção, segundo o site da Transparência Brasil, estão os nomes dos senadores Romero Jucá (PMDB-RR) e Roberto Cavalcanti (PRB-PB), entre outros.

O caso mais rumoroso envolveu o agora ex-deputado estadual fluminense Álvaro Lins, cassado por quebra de decoro no ano passado e hoje respondendo a processo por formação de quadrilha, facilitação de contrabando, lavagem de dinheiro e corrupção ativa.

Fora das grandes capitais, o problema não é menor. Este ano, o cientista político James Batista Vieira analisou relatórios da Controladoria Geral da União (CGU) que informam sobre a aplicação de recursos federais destinados a 36 municípios, em dois momentos distintos.

Ele constatou que a incidência de irregularidades graves aumentou 44,43% nessas cidades. Os dados aparecem na sua monografia, vencedora do concurso da CGU de 2009