Título: O Brasil ganhou importância mundial
Autor: Negroponte, John
Fonte: O Globo, 04/10/2009, O Mundo, p. 57
Ex-embaixador dos EUA diz que crise é um teste para a diplomacia brasileira
NOVA YORK. John Dimitri Negroponte, de 70 anos, tem sido um dos nomes mais influentes da política externa americana nas últimas décadas. Foi embaixador dos Estados Unidos em Honduras, no México, nas Filipinas e no Iraque da década de 1980 até 2005.
Foi também embaixador dos Estados Unidos na ONU, diretor-geral do Serviço de Inteligência Nacional, entre 2005 e 2007, e subsecretário de Estado no governo do presidente George W. Bush, de 2005 a 2009.
Atualmente ele é pesquisador de política internacional do MacMillan Center, da Universidade de Yale.
Nesta entrevista exclusiva, Negroponte comenta a nova geopolítica latino americana, a partir das mudanças nas políticas externas do EUA e do Brasil, que teve a crise em Honduras como um primeiro teste.
Marília Martins Correspondente
O GLOBO: Na sua visão, a crise em Honduras mudou a política externa brasileira? JOHN NEGROPONTE: A política externa brasileira mudou porque o Brasil ganhou mais importância no cenário mundial, devido ao bom desempenho de sua economia. A crise em Honduras foi apenas um teste para a diplomacia brasileira. A volta de Manuel Zelaya para Tegucigalpa e a escolha da embaixada brasileira como abrigo foram fatores inesperados que exigiram que a diplomacia brasileira assumisse um papel mais ativo diante dos conflitos no continente. Mas acho que desde a participação brasileira no Haiti, à frente da missão da ONU, o governo brasileiro vem se posicionando no sentido de dar uma contribuição maior nas negociações das crises no continente. Ao liderar a missão no Haiti, o Brasil mostrou uma novidade no cenário internacional. A crise de agora em Honduras apenas confirmou uma tendência que já vinha se apresentando
`Não há espaço para ditaduras no continente¿
Qual a sua avaliação da política externa dos EUA? NEGROPONTE: Estou à vontade para dar a minha opinião porque não estou mais no governo.
Um ponto é muito claro: a política externa do governo Obama enfatiza organismos multilaterais e recusa qualquer solução que seja unilateral. E isto certamente vai exigir maior participação de outros países, especialmente do Brasil. Daí o apoio americano à missão da OEA liderada pelo presidente Óscar Arias para mediar a crise em Honduras. Não interessa quem tem razão nesta crise, se Zelaya ou Micheletti. Agora é preciso ir adiante porque os dois são figuras do passado.
Mas para que as eleições sejam reconhecidas será preciso que o processo seja legítimo, de acordo com regras democráticas e com observadores internacionais. Os dois lados terão que ceder¿ NEGROPONTE: Não tenho dúvidas de que isto vai acontecer.
Zelaya e Micheletti serão em breve tema para historiadores.
Os erros do passado não podem ser repetidos. Não há mais espaço para ditaduras militares no continente americano.
Quais são os pontos de divergência entre a diplomacia brasileira e americana hoje? NEGROPONTE: Não há grandes pontos de divergência, e sim diferenças de nuances. Os EUA enfatizam o multilateralismo em organismos regionais, como a OEA, para tratar de problemas que são regionais. E o Brasil recorreu ao Conselho de Segurança para garantir a inviolabilidade da sua embaixada.
E quanto à aproximação do governo Obama de Cuba? Houve mudança importante neste assunto? NEGROPONTE: Não. O governo Obama tem uma política bastante pragmática e reconhece que há um longo caminho a percorrer antes de uma real aproximação entre EUA e Cuba. Há temas que podem ser conversados, como as questões referentes ao correio, a imigrantes.
Com certeza o governo Obama tem sido mais aberto a sugestões sobre como resolver estes detalhes que influem no dia-adia de imigrantes cubanos nos EUA. Mas as comunidades cubanas nos EUA são fortes o bastante para impedir que haja qualquer aproximação maior de um governo ditatorial como o de Cuba. Sem mudança do regime cubano não haverá caminho para aproximação com os EUA.
E quanto ao acordo de cooperação militar entre Colômbia e EUA, e o uso de bases militares colombianas pelos EUA? Isto não é uma interferência americana no continente? NEGROPONTE: É preciso cuidado com as palavras! Os EUA não querem ter bases militares na Colômbia. O que pretendemos é usar as bases militares colombianas para garantir a soberania dos colombianos sobre seu território. Queremos monitorar o tráfego aéreo para encontrar aviões que fazem contrabando de drogas. Tudo isto é muito limitado.