Título: À procura do terceiro suspeito
Autor: Aggege, Soraya; Freire, Flávio; Suwwan, Leila
Fonte: O Globo, 05/10/2009, O País, p. 3

PF pedirá prisão de segurança que teria furtado prova do Enem; dois já estão indiciados

APolícia Federal de São Paulo deverá pedir hoje a prisão preventiva de Felipe Pradella, o terceiro suspeito pelo vazamento da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Pradella seria segurança da empresa Fort Knox, contratada pela empresa Cetro, de São Paulo, uma das integrantes do Consórcio Nacional de Avaliação e Seleção (Connasel), responsável pela aplicação do exame. Dois outros acusados do vazamento - o publicitário Luciano Rodrigues, dono de uma pizzaria em São Paulo, e o DJ Gregory Camillo Craid, que trabalha em importantes boates de São Paulo - foram indiciados pelo crime na tarde de sábado pela Polícia Federal depois de prestar depoimento ao delegado do caso.

Pradella, o único que não se apresentou espontaneamente à PF depois de ser acusado do crime, é considerado o responsável pelo furto das provas do Enem, possivelmente durante a etapa de impressão das provas, na gráfica Plural, em São Paulo. Ele possivelmente trabalhava na gráfica à noite. A Plural vai fornecer à PF 1.200 horas de gravações das câmeras internas de segurança no período de impressão das provas.

Pradella e Gregory foram os dois homens que encontraram repórteres do jornal "O Estado de S. Paulo" para tentar vender a prova por R$500 mil. Rodrigues foi indiciado como intermediário, por ter posto os dois em contato com os jornalistas.

O Ministério da Educação já recebeu informações extraoficiais da PF de que Pradella teria atuado como segurança ou coordenador de manuseio na etapa de impressão das provas, na gráfica Plural. O ministro Fernando Haddad mantém canal direto com o delegado da PF que chefia as investigações, e os técnicos do MEC estão em contato com representantes do consórcio, que colaboram com a investigação. Além da Cetro, estão no consórcio a Consultec (BA) e a Funrio (RJ).

Consórcio terá de ressarcir gastos

O MEC aguarda confirmação da PF sobre as hipóteses de colaboração interna e fraude mais ampla no caso do vazamento do Enem para decidir se rescinde o contrato com o Connasel. Com a confirmação de que Pradella foi contratado para atuar na gráfica, o grupo empresarial fica obrigado a ressarcir o MEC pelos prejuízos causados com a suspensão e reorganização do exame, estimados em R$35 milhões.

- Nós precisamos obter oficialmente da Polícia Federal essa informação, se essa pessoa que foi contratada contou com auxílio, se há mais envolvidos, se por trás de um ato que parece ser uma delinquência, a princípio, pode ter uma inteligência ainda a ser apurada. Na terça, em reunião com o ministro da Justiça, que é quem comanda a PF, vamos poder concluir nosso diagnóstico - disse Haddad ontem.

Pelo contrato firmado com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), o Connasel é obrigado a indenizar o governo pelo vazamento. Apenas a reimpressão e redistribuição da prova deve custar R$35 milhões. O valor total do contrato é de R$116,9 milhões.

Caso rescinda o contrato, o MEC terá o direito de assumir a logística do exame, além de poder efetuar "a ocupação e utilização do local, instalações, equipamentos, material e pessoal". Além de estar autorizado a contratar outras empresas, em caráter emergencial, o governo estuda usar os Correios e empresas estatais no processo.

A expectativa é a de que hoje a primeira fase das investigações seja concluída pela PF. A avaliação inicial dos delegados que atuam no caso é de que os envolvidos seriam "criminosos pé-de-chinelo". Até ontem, a PF ainda tentava prender Felipe Pradella. Os outros dois envolvidos foram indiciados, mas não ficaram detidos. A partir do depoimento de Pradella, a PF avaliará se há ou não mais entroncamentos no caso.

Gregory Craid teria afirmado no depoimento que o segurança, que é seu amigo, obteve a prova e não falou em ganhar dinheiro com a venda. Gregory disse que estaria interessado apenas em ter seu nome divulgado na imprensa e teria isentado Rodrigues, o dono da pizzaria, que, por sua vez, disse que conhecia apenas Gregory, e que se empenhou apenas em ajudá-lo. Ele foi indiciado por divulgar documento sigiloso, colaborando para o vazamento da prova.

Estão atuando no caso delegados da área Fazendária da PF. Preside o inquérito o delegado Osvaldo Scalezi Junior, auxiliado por Marcelo Sabatini e Cecília Machado Mechita. Nenhum deles está autorizado a dar informações sobre o caso. O advogado Luiz Vicente Bezinelli, que acompanhou Rodrigues durante o depoimento, disse que entrará com um pedido de trancamento do inquérito, para contestar o indiciamento de seu cliente:

- Não vejo a menor possibilidade de um juiz ordenar a prisão de Luciano (Rodrigues). Considerei esse indiciamento surreal, porque em nenhum momento ele tentou vender a prova. O outro indiciado, pelo que eu soube, isentou Luciano em seu depoimento. Parece que o único que falou em dinheiro foi o Felipe.

Segundo ele, Rodrigues intermediou o contato dos dois rapazes, que diziam saber do vazamento da prova, com uma jornalista do jornal "O Estado de S.Paulo" e outra da "Folha de S.Paulo", que teria sido sua colega no "Estado", onde trabalhou como publicitário por 15 anos.

Segundo o advogado, Rodrigues só viu a prova porque Felipe a mostrou em um envelope. Seu cliente teria visto apenas que era um papel azul e com um símbolo do governo federal, mas não chegou a olhar com atenção. Bezinelli disse que, em um primeiro momento, Rodrigues não sabia que os rapazes tinham interesse em vender a prova.

Depois, no entanto, quando conversava com uma jornalista da "Folha" ao telefone, viu os dois discutindo, dizendo que poderiam também ganhar dinheiro com o caso. O advogado disse que Rodrigues disse aos rapazes que a imprensa não pagaria por notícias.

O DJ, que mora em Osasco, e seu pai, o advogado Antonio José Craid, de Barueri, foram procurados pelo GLOBO, mas eles não atenderam o telefone. A assessoria de imprensa do Instituto Cetro informou ontem que Pradella não faz parte do quadro de funcionários da empresa, mas não soube informar se o rapaz poderia ter sido terceirizado pelo consórcio. Em nota, a Plural diz ter cumprido rigorosamente todas as determinações do contrato com relação a segurança do processo.